Narração – Teoria e Exemplos

O ato de escrever é prazer, diversão. É a sensação de poder, de domínio. Criar gente, fabricar fantasias, inventar cidades, dar vida e dar morte, criar um terremoto ou furacão, fazer o que eu quiser. Escrever é um jogo, brincadeira. Conseguir segurar, prender uma pessoa, mantê-la atrelada a si (é o leitor diante do livro: sua sensação divina).
(Ignácio de Loyola Brandão)

Dominando a palavra o homem tentou perpetuar seus mitos, sua visão mágica do mundo, suas conquistas, sua história. Nas narrativas, nas lendas, nas epopéias e canções, alegorizou seus ritos, temores e feitos, Seus registros venceram o tempo nos traçados de múltiplos códigos, como a escrita cuneiforme, os hieróglifos e a arte primitiva.

Assim, as pinturas rupestres da caverna de Altamira, as escrituras sagradas dos Vedas, as epopéias gregas, as cantigas provençais, os contos de fadas contam cada qual a fantasia, a mitologia,a história de seu povo. No texto oral ou escrito, ouvir e ler histórias é uma atividade antropológico-social que distingue culturalmente o homem.

Desde que descobriu o poder encantatório da palavra, o ser humano deu curso ao pensamento mítico, deu permanência às crenças, às divindades, à criação do mundo, ao cosmos, envolvendo-os em alegorias. Nos séculos XVI e XVII, na literatura oral de raízes populares, predominam os contos folclóricos, os ditos e provérbios. Na segunda metade do século XVII, propaga-se a ação sistemática da Igreja para cristianizar a cultura popular, mas o patrimônio imaginário dos contos, sobretudo os de fadas, resiste à luta de forças da Contra Reforma que domina o cenário religioso e escolar daquele século.

Com a evolução da História, a interpretação dos acontecimentos foi-se distanciando das alegorias, da imaginação; entre o mito e as formas derivadas da narrativa (o romance, a novela, o conto, a crônica), os heróis divinos torna-se personagens humanas. Os fator históricos de épocas primordiais cedem lugar aos episódios cotidianos contemporâneo. Hoje, afirma Nelly Novaes Coellho (O conto de fadas), “uma das características mais significativas do nosso século é a coexistência, pacífica ou não, entre inteligência racional/cientificista, altamente desenvolvida, e o pensamento mágico que dinamiza o imaginário”.

Nas narrativas orais, nas fábulas, nos contos de fadas ou nos romances contemporâneos, é a imaginação que faz com que apreciemos os encantamentos de Branca de Neve como apreciamos o fascínio de Cem anos de solidão.

Foi pensando no imaginário, na magia e na fantasia que foram selecionados os textos narrativos desta coletânea. Histórias que, sem deixar à margem o padrão culto da língua, encantam pela simplicidade, pelo humor, pela sátira, pela inovação, pela singularidade, enfim pelo aproveitamento exemplar das virtualidades da língua.

Definição

Narrar é contar uma história (real ou fictícia). O fato narrado apresenta uma seqüência de ações envolvendo personagens no tempo e no espaço.
São exemplos de narrativas a novela, o romance, o conto, ou uma crônica; uma notícia de jornal, uma piada, um poema, uma letra de música, uma história em quadrinhos, desde que apresentam uma sucessão de acontecimentos, de fatos.
Situações narrativas podem aparecer até mesmo numa única frase. Exemplos: O menino caiu. “Minha sogra ficou avó.” (Oswald de Andrade). Repare que a última frase resume ações que envolvem o casamento, a maternidade e a transformação da sogra em avó.

Estrutura da narração

Convencionalmente, o enredo da narração pode ser assim estruturados: exposição (apresentação das personagens e/ou do cenário e/ou da época), desenvolvimento (desenrolar dos fatos apresentando complicação e clímax) e desfecho (arremate da trama).

Entretanto, há diferentes possibilidades de se compor uma trama, seja iniciá-la pelo desfecho, construí-la apenas através de diálogos, ou mesmo fugir ao nexo lógico de episódios.
Escritores (romancistas, contistas, novelistas) não compões um texto estritamente narrativo. O que eles produzem é um tecido literário em que aparecem, além da narração, segmentos descritivos e dissertativos.

As narrativas mais longas podem explorar mais detalhadamente as noções de tempo – cronológico (marcado pelas horas, por datas) ou psicológico (marcado pelo fluxo do inconsciente) – e de espaço (cenário, paisagem, ambiente).

O envolvimento de várias personagens e os múltiplos núcleos de conflito em torno de uma situação também são comuns nas narrativas extensas.
Portanto, oferecer ao aluno um painel de narrações literárias (romances, novelas, contos) como modelo é distanciar-se da finalidade prática da redação escolar, mas alguns textos são exemplares para ilustrar procedimentos narrativos.

Elementos básicos da narração

São elementos básicos da narração: enredo (ação), personagem, tempo e espaço.

Quando a história é curta, como na narração escolar, são imprescindíveis: enredo e personagens. A perspectiva de quem escreve é dada pelo foco narrativo ( de 1ª ou 3ª pessoa). Os discursos (direto, indireto e indireto livre) representam a fala da personagem.

No texto a seguir, “Um homem de consciência”, foram apontados os elementos básicos, a estrutura narrativa – exposição, desenvolvimento e desfecho -, os vários discursos e o foco narrativo. A onisciência do narrador revela-se no conhecimento íntimo que tem da personagem, desenvolvendo-lhe os pensamentos e apreensões.

Um homem de consciência – Monteiro Lobato

1.º parágrafo
Chamava-se João Teodoro, só. O mais pacato e modesto dos homens. Honestíssimo e lealíssimo, com um defeito apenas: não dar o mínimo valor a si próprio. Para João Teodoro, a coisa de menos importância no mundo era João Teodoro. [Até aqui é exposição.]
2.º parágrafo
Nunca fora nada na vida, nem admira a hipótese de vir a ser alguma coisa. E por muito tempo não quis nem sequer o que todos ali queriam: mudar-se para terra melhor.
3.º parágrafo
Mas João acompanhava com aperto de coração o deperecimento visível de sua itaoca. [Nesses dois parágrafos, discurso do narrador.]
4.º parágrafo
– Isto já foi muito melhor, dizia consigo. Já teve três médicos bem bons
– agora só um bem ruinzote. Já teve seis advogados e hoje mal há serviço para um rábula ordinário como o Tenório. Nem circo de cavalinhos bate mais por aqui. A gente que presta se muda. Fica o restolho. Decididamente, a minha Itaoca está se acabando… [Monólogo interior.]
5.º parágrafo
João Teodoro entrou a incubar a idéia de também mudar-se, mas para isso necessitava dum fato qualquer que o convencesse de maneira absoluta de que Itaoca não tinha mesmo conserto ou arranjo possível. [Discurso do narrador.]
6.º parágrafo
– É isso, deliberou lá por dentro. Quando eu verificar que tudo está perdido, que Itaoca não vale mais nada de nada de nada, então arrumo a trouxe e boto-me fora daqui. [Monólogo interior.]
7.º parágrafo
Um dia aconteceu a grande novidade: a nomeação de João Teodoro para delegado. Nosso homem recebeu a notícia como se fosse uma porretada no crânio. Delegado, ele! Ele que na era nada, nunca fora nada, não queria ser nada, não se julgava capaz de nada…
8.º parágrafo
Ser delegado numa cidadezinha daquelas é coisa serilíssima.
Não há cargo mais importante. É o homem que prende os outros, que solta, que manda dar sovas, que vai à capital falar com o governo. Uma coisa colossal ser delegado – e estava ele, João Teodoro, de-le-ga-do de Itaoca!…[Discurso do narrador.]
9.º parágrafo
João Teodoro caiu em meditação profunda. Passou a noite em claro, pensando e arrumando as mals. Pela madrugada botou-as num burro, montou seu cavalo magro e partiu.[Clímax da história.]
10.º parágrafo
– Que é isso, João? Para onde se atira tão cedo, assim de armas e bagagens?
11.º parágrafo
– Vou-me embora, respondeu o retirante. Verifiquei que Itaoca chegou mesmo ao fim.
12.º parágrafo
– Mas, como? Agora que você está delegado?
13.º parágrafo
– Justamente por isso. Terra em que João Teodoro chega a delegado, eu não moro. Adeus. [Discurso direto.]
14.º parágrafo
E sumiu. [Desfecho.]

Exposição: 1.º parágrafo
Desenvolvimento: do 2.º ao 13.º parágrafo
Desfecho: 14.º parágrafo
Complicação: 7.º e 8.º parágrafos.
Clímax: 9.º parágrafo

A tessitura narrativa

A narrativa deve tentar elucidar os acontecimentos, respondendo às seguintes perguntas essenciais:

O QUÊ? – o(s) fato(s) que determina(m) a história;
QUEM ? _ a personagem ou personagens;
COMO? _ o enredo, o modo como se tecem os fatos;
ONDE? _ o lugar ou lugares da ocorrência;
QUANDO? _ o momento ou momentos em que se passam os fatos;
POR QUÊ? _ a causa do acontecimento.

Observe como se aplicam no texto de Manuel Bandeira esses elementos:

Tragédia brasileira
Manuel Bandeira

Misael, funcionário da Fazenda, com 63 anos de idade.
Conheceu Maria Elvira na Lapa – prostituída, com sífilis,
Demite nos dedos, uma aliança empenhada e os dentes em petição de miséria.
Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou-a num sobrado no Estácio, pagou médico, dentista, manicura…Dava tudo quanto
Ela queria.
Quando Maria Elvira se apanhou de boca bonita, arranjou logo um namorado.
Misael não queria escândalo. Podia dar uma surra, um tiro, uma facada. Não fez nada disso: mudou de casa.
Viveram três anos assim.
Toda vez que Maria Elvira arranjava namorado, Misael mudava de casa.
Os amantes moravam no Estácio, Rocha, Catete, Rua General Pedra, Olaria, Ramos, Bom Sucesso, Vila Isabel, Rua Marquês de Sapucaí, Niterói, Encantado, Rua Clapp, outra vez no Estácio, Todos os santos, Catumbi, Lavradio, Boca do Mato, Inválidos…
Por fim na Rua da Constituição, onde Misael, privado de sentidos e de inteligência, matou-a com seis tiros, e a polícia foi encontrá-la caída em decúbito dorsal, vestida de organdi azul.

•O quê? Romance conturbado, que resulta em crime passional.
•Quem? Misael e Maria Elvira.
•Como? O envolvimento inconseqüente de um homem de 63 anos com uma prostituta.
•Onde? Lapa, Estácio, Rocha,Catete e vários outros lugares.
•Quando? Duração do relacionamento: três anos.
•Por quê? Promiscuidade de Maria Elvira.

Quanto à estrutura narrativa convencional, acompanhe a seqüência de ações que compõem o enredo:

•Exposição: a união de Misael, 63 anos, funcionário público, a Maria Elvira, prostituta;
•Composição: a infidelidade de Maria Elvira obriga Misael a buscar nova moradia para o casal;
•Clímax: as sucessivas mudanças de residência, provocadas pelo comportamento desregrado de Maria Elvira, acarretam o descontrole emocional de Misael;
•Desfecho: a polícia encontra Maria Elvira assassinada com seis tiros.

Personagem

Personagem é uma palavra feminina que deriva do grego persona (máscara). Modernamente, já se convencionou o emprego da palavra nos dois gêneros, tanto para se referir a seres humanos, seres animados ou antes personificados.Literariamente, pode-se definir a personagem como a pessoa ou ser personificado ou animado que figura na história e nela se envolve ativa ou passivamente. Criada no espectro infinito da imaginação, a personagem assume o perfil físico e psicológico único que só a individualidade de cada autor permite.
Dessa forma, uma personagem revela-se através de dados e aspectos definidos pelo autor, que a dota de características éticas, sociais, ideológicos, políticas, profissionais, etárias e até fantásticas.
Sendo assim, uma personagem pode ser definida

psicologicamente:

A mulher do coronel era o tipo de mãe de família. Tinha quarenta anos e ainda na fronte, embora secas, as rosas da mocidade. Era uma mistura de austeridade e meiguice, de extrema bondade e de extrema rigidez. Gostava muito de conversar e rir, e tinha a particularidade de amar a discussão, exceto em dois pontos que para ele estavam acima das controvérsias humanas: a religião e o marido. A sua melhor esperança, afirmava, seria morrer nos braços de ambos. (Machado de Assis)

ou fisicamente:

Magro, meão na altura, dum moreno doentio abria admiravelmente os olhos molhados de tristeza e calmos como um bálsamo. Barba dura sem trato. Os lábios emoldurados no crespo dos cabelos moviam como se rezassem. O ombro direito mais baixo que o outro parecia suportar forte peso e quem lhe visse as costas das mãos notara duas cicatrizes como feitas por bala. Fraque escuro, bastante velho. Chapéu gasto, de um negro oscilante. (Mário de Andrade)

Em alguns casos, o narrador não revela as características psicológicas da personagem, mas procura traduzi-las através de suas ações e comportamento.
Observe no seguinte texto como o autor apresenta sua personagem:

Está sempre a rir, sempre a cantar. Canta o dia inteiro, num tom arrastado, apregoando as revistas que vende. Pr aqui, por ali, vai, vem, corre, galopa, atravessa as ruas com uma rapidez de raio, persegue os veículos, desliza entre os automóveis como sombra. Parece invulnerável. (Graciliano Ramos)

Portanto, aparência, a gestualidade, o comportamento e as ações concorrem para esboçar personagens complexas (personalidade contraditória) e lineares (comportamento previsível). Essa classificação (complexas e lineares) abrange os tipos e caricaturas, as principais e secundárias, os protagonistas e antagonistas.

Personagem linear

E personagem linear define-se pela permanência e previsibilidade de sua conduta; seu caráter e suas atitudes mantêm-se inalteráveis ao longo da narrativa. Os heróis das narrativas folhetinescas (romances populares) costumam ser corajosos, sedutores, românticos. Apresentam caráter nobre, gestos solidários, redentores e justiceiros. Até os traços físicos correspondem à luminosidade de sua conduta: olhos ternos, beleza diáfana, viril. Sua ação heróica será tanto um ato de bravura física quanto um exercício habilidoso da razão ou a prática da nobreza de espírito. Já o vilão, em sua linearidade, apresenta em geral aparência repugnante: nariz adunco, olhar injetado, lábios finos, expressão glacial. O aspecto fisionômico do vilão confere com a vilania de seu comportamento: a hostilidade, as paixões vis, a velhacaria, o cinismo, a mentira, o oportunismo e outros aspectos negativos definem e seu mau-caráter. O Coringa, personagem do time Batmam, e Juliana, a serviçal de O Primo Basílio, de Eça de Queirós, tipificam o vilão que tem na hediondez o ponto de intersecção entre o físico e o psicológico.
Assim, a personagem linear encerra um tipo facilmente identificável que permeia as produções da indústria cultural: histórias em quadrinhos (Mônica, Cascão), telenovelas, romances do gênero romântico, personagens de programas de humor etc.

Personagem complexa

A personagem complexa, por sua vez, é imprevisível em suas atitudes, pois seu comportamento é contraditório, osciliando entre ações edificantes e degeneradas, redentoras e infamantes, benevolentes e hostis, amorosas e odiosas, como o seres humanos. Assim, o caráter de personagem complexa mostra variações de humor e atitudes em suas ações e em sua interioridade psicológica.
Mesmo surgida nos romances do século XIX, contemporaneamente a personagem complexa atravessa algumas produções da indústria cultural é o caso, por exemplo, de Charlie Brown, ora ingênuo, ora altivo; e Charles Chaplin representando Carlitos – debochado em Tempos Modernos, sentimental e altruísta em Luzes da Ribalta, pernóstico em O Grande Ditador ou humilde e resignado em O Garoto.

Tipo e Caricatura

Real ou fictícia, apresentando um conjunto de traços físicos e psicológicos que a definem em sua individualidade, a personagem pode também ser um tipo ou uma caricatura.

O tipo é uma figura singular, de características marcantes que, por suas peculiaridades comportamentais, universaliza-se e terniza-se. É o caso, Por exemplo, de D. Quixote, Romeu e Julieta e Conselheiro Acácio (O Primo Basílio). Há ainda tipos reconhecidamente populares: o bêbado, a fofoqueira, o malandro, o mascate, a beata, o chato e outros.

Era a comadre uma mulher baixa, excessivamente gorda, bonachona, ingênua ou tola até um certo ponto, e finória até outro; vivia do ofício de parteira, que adotada por curiosidade, e benzia de quebranto; todos a conheciam por muito beata e pela mais desabrida papa-missas da cidade. Era a folhinha mais exata de todas as festas que aqui se faziam(…) (Manuel Antônio de Almeida)

Quanto à caricatura, sua única qualidade ou tendência é dilatada ao extremo, provocando uma distorção propositada, a serviço da sátira ou do cômico.

O Dr. Lustosa

Era um homem baixo, de ombros estritos a caídos. Uma gordura mal distribuída acumulava-se notadamente nos quadris, na região sacrococcigiana, no ventre e nas bochechas. Quanto ao resto, dava a impressão dum tipo magro e frágil. Os braços, coxas e pernas eram finos; as mãos, miúdas e delicadas, como mãos de menino. Tinha a pele macilenta e pintalgada de cravos principalmente na testa, no nariz reluzente e no queixo, onde a barba azulava, mais cerrada. A cabeça parecia ter sido modelada com material de confeitaria, procurasse vingar-se dessa circunstância dando à sua obra traços de caricatura. No indicador da mão direita o desembargador trazia sempre o anel simbólico, com um grande rubi engastado. No inverno, quando fazia muito frio, usava-o por cima da luva. Sempre que queria dar relevo a um trecho da conversação, riscava o ar com dedo do anel, sublinhado assim as palavras com um traço vermelho e chispante. (Érico Veríssimo)

Personagens não-humanas

Segundo Massaud Moisés, “a própria etimologia do vocábulo personagem assinala um restrição semântica que merece registro: animais não podem ser personagens, menos ainda os seres inanimados de qualquer espécie. Quando comparecem no universo ficcional, os animais tendem a ser meras projeções (como no caso de Quincas Borba), ou denotam qualidades superiores à sua condição, uma espécie de “inteligência humana (como a Baleia, de Vidas Secas), ou servem de motivo para a ação (como em Moby Dick). Os apólogos ou fábulas utilizam os animais como protagonistas, mas envolvem-nos de um simbólico que os subtrai do círculo zoológico inferior para alça-la ao perímetro urbano.” Como ilustração, lembramos a cachorra baleia:

Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E lembraria as mãos de Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se espojariam com ela, rolariam com ela num pátio enorme, num chiqueiro enorme. O mundo ficaria todo cheio de preás gordos, enormes.”
(Graciliano Ramos)

Quando o protagonista é um ser inanimado (num apólogo) ou um animal (numa fábula), temos um antropomorfização. O protagonista se reveste de traços humanos, sobretudo quanto à inteligência e ao caráter: é a agulha altiva em “Um Apólogo”, de Machado de Assis, é a raposa ardilosa na fábula “A raposa e as uvas”, de Esopo.
A antropomortização é obtida através do uso da prosopopéia. (Ver figuras de pensamento). Esse recurso expressivo, utilizado com mais freqüência nos textos descritivos, é expediente comum nos apólogos e nas fábulas. A prosopopéia consiste na atribuição de características humans a seres não-humanos (personificação) ou de características animais a seres inanimados (animização).
No universo literário, podemos encontrar também personagens coletivas, figurativizadas ou não (é o caso de Vasco da Gama, em Os Lusíadas, metaforizando o heroísmo e o espírito de conquista do povo português). Já no romance O Cortiço, o próprio cortiço e o sobrado que moradias, personificam o antagonismo de classes.

Principais e Secundárias

As personagens, quanto à sua atuação no enredo, podem ser classificadas como principais ou secundárias. A personagem principal é aquela que produz os fatos, trama os acontecimentos, ou é o móvel da maioria das ações. São as personagens secundárias que dão suporte à história, tecendo pequenas ações em torno das personagens principais.

Protagonistas e antagonistas

Outra classificação possível, que geralmente atinge as personagens principais, é a oposição entre protagonista e antagonista. O primeiro deseja algo que ao segundo cabe impedir, dificultar, cobiçar, destruir, desejar etc. O antagonista nem sempre é uma pessoa; pode ser um objeto, um animal, uma situação financeira, cultural, social (pobreza, instrução, trabalho), um problema físico ou ainda uma peculiaridade psicológica, que dificulta o acesso àquilo que o protagonista deseja.

Enredo

O enredo ou trama corresponde à maneira como a história se desenrola, aos “arranjos” narrativos que cercam as personagens, e às situações que as envolvem. Essa articulação pode revelar o núcleo temático da matéria narrada, seja ela real ou ficcional; assim, falamos em enredo cujas temáticas podem ser conflitos passionais, casos de mistério ou terror, dramas sociais, experiências existenciais, ficção científica etc. Esse enovelamento de ações a que chamamos enredo abrange as etapas já explicadas na estrutura narrativa: exposição, desenvolvimento (complicação – ponto de tensão – e clímax – ponto de maior tensão) e desfecho.
O texto narrativo resulta, portanto, de duas articulações: a história (seqüência de fatos) e o enredo (organização dos fatos). Dessa forma, o enredo é a maneira como o narrador organiza os dados que a história oferece.
Observe como na contextualização de Domingo no Parque, de Gilberto Gil, os arranjos formais – versificação, rima, estrofe e refrão – e a organização dos fatos, articulando personagens, tempo, espaço e ação, proporcionam dimensão e expressividade a um episódio que seria, como notícia de jornal, apenas corriqueiro.

Domingo no Parque
(Gilberto Gil)

Exposição: identificação das personagens

O rei da brincadeira – ê José
O rei da confusão – ê João
Um trabalhava na feira – ê José
Outro na construção – ê João

Desenvolvimento: encadeamento de ações

A semana passada, no fim da semana,
João resolveu não brigar.
No domingo de tarde saiu apressado
E não foi pra ribeira jogar
Capoeira pra lá, pra ribeira,
Foi namorar.
O José como sempre, no fim da semana
Guardou a barraca e sumiu.
Foi fazer, no domingo, um passeio no parque,
Lá perto da boca do rio.
Foi no parque que ele avistou
Juliana,
Foi que ele viu
Juliana na roda com João,
Uma rosa e um sorvete na mão.
Juliana, seu sonho, uma ilusão,
Juliana e o amigo João.

Complicação: ponto de tensão

O espinho da rosa feriu Zé
E o sorvete gelou seu coração.
O sorvete e a rosa – ê José
A rosa e o sorvete – ê José
Oi dançando no peito – ê José
Do José brincalhão – ê José
O sorvete e a rosa – ê José
A rosa e o sorvete – ê José
Oi girando na mente – ê José
Do José brincalhão – ê José

Juliana girando – oi girando
Oi a roda gigante – oi girando
Oi na roda gigante – oi girando
O amigo João – oi João
O sorvete é morango – é vermelho
Oi girando e a rosa – é vermelha
Oi girando, girando – é vermelha

Clímax: ponto de maior tensão

Oi girando, girando – olha a faca
Olha o sangue na mão – ê José
Juliana no chão – ê José
Outro caído – ê José
Seu amigo João – ê José

Desfecho

Amanhã não tem feira – ê José
Não tem mais construção – ê João
Não tem mais brincadeira – ê José
Não tem confusão – ê João.

Segundo Fred de Góes (Literatura Comentada), “existe texto se caracteriza por sua construção cinematográfica em que, após situar as personagens e descrever o cenário onde a ação se desenrolará, o compositor possa a narrar os fatos, empregando a técnica de montagem em pequenos flashes. Além de letra e melodia, o compositor junta ruídos, palavras e gritos sincronizados às cenas descritivas, evocando realistaticamente um parque de diversões”.
Para que o enredo tenha unidade, os fatos devem estar inter-relacionados, de tal modo que uns sejam a conseqüência ou efeito dos outros.

Assim como são muitas as possibilidades de se desenvolver uma narrativa, muitas são as teorias literárias para analisá-las, sobretudo nos romances. Estudiosos como Wolfgang Kayser, Vitor de Aguiar e Silva, Temístocles Linhares, Gerard Genette e Gerg Luckás são alguns dos nomes que elaboram teorias sobre a narrativa romanesca.

Também a Semiótica estuda as estruturas narrativas, segundo as idéias de ª J. Greimas, Roland Barthes e outros. Semiótica é a ciência da significação, cujo objeto de estudo são os códigos verbais e não-verbais, como os gestos, a música, a pintura, o cinema etc, e as produções discursivas que lhes correspondem. O interesse da Semiótica compreende a análise da linguagem e da ideologia nos mais diversos discursos.

Dessa forma, o enredo, numa interpretação semiótica, constrói-se num percurso temporal onde se destacam invariantes que determinam a fórmula canônica da narração: um sujeito (personagem) num de disjunção, isto é, apartado de seu objeto-valor (uma paixão, um bem material, um desejo), tentando chegar a um estado de conjunção, obtendo o objeto-valor pretendido. As variantes narrativas ficam por conta de uma sucessão de funções que enredam o sujeito na trajetória em busca de seu objeto-valor, numa evolução marcada pelas lógicas temporal e causal: a primeira resulta de uma conologia, é a sucessão de ações no tempo; a segunda é uma relação de causa e conseqüência – uma ação antecedente provoca uma conseqüente.

Assim, o enredo, interpretado semioticamente, surge de um recurso narrativo no qual se entretecem elementos mínimos invariantes (um sujeito e seu objeto-valor). Além dessas variantes, que nos dão a fórmula convencional da narrativa, ressaltamos outros elementos:

•manipulação: uma personagem manipulada outra para induzi-la a um fazer (projeto do fazer), envolvendo um querer;
•competência: um saber ou um poder permite executar o projeto do fazer;
•performance: a personagem executa o projeto do fazer;
•sanção: conforme a ação executada, o sujeito do fazer é punido ou recompensado.
Uma análise subordinada às interpretações semióticas consta do apêndice, ilustrando o percurso narrativo do texto machadiano “Conto de Escola”.

Tempo

Há duas maneiras de lidar com o tempo em uma narração: cronologicamente ou psicologicamente.

Tempo cronológico

O tempo cronológico é o tempo em que se desenrola a ação. Indica-se, conforme o caso, dia, mês, ano, hora, minuto, segundo, década, século etc. Não é preciso menciona-los sempre, mas deve-se dar a entender ao leitor o tempo de duração da história, utilizando-se de expressões como: alguns minutos, instantes, no dia seguinte, algum tempo depois, passaram-se meses, anos ou dias etc.

O ano era de 1840. Naquele dia – uma segunda-feira do mês de maio – deixei-me estar alguns instantes na Rua da Princesa. (Machado de Assis)

O escritor monta o tempo narrativo distribuindo-o de tal forma que seja aceito pelo leitor:

No dia seguinte, estava Rubião ansioso por ter o pé de si o recente amigo da estrada de ferro, e determinou ir a Santa Teresa, à tarde; mais foi o próprio Palha que o procurou logo de manhã…
(Machado de Assis)

Seja em saltos abruptos (milênios, séculos, décadas), ou em períodos curtos (no mesmo dia, em uma semana), mantém-se a sucessão temporal. Um recurso possível para alterar a linha temporal é antecipar um fato futuro (Quando pequeno gostava de lidar com animais sem imaginar que um dia seria veterinário) ou regredir, em flashbak, para um passado a ser relatado (Lembrou-se de quando a conheceu. Há trinta anos, numa manhã chuvosa, viu-a num ponto de ônibus e resolveu…).

Tempo psicológico

O tempo psicológico, que não é material nem mensurável, flui na mente das personagens. Nesse caso, transmite-se a sensação experimentada durante o tempo em que o fato ocorreu: a personagem pode ter passado por situações que pareceram extremamente longas, mas que, na realidade, duraram apenas alguns minutos.
O tempo psicológico é produto de uma experiência interior, não mensurável mecanicamente, mas subjetivamente. Traduz-se com palavras a duração de um acontecimento,através da intensidade emocional que o acompanha.

O suplício durou bastante, mas, por muito prolongado que tenha sido; não igualava a mortificação da fase preparatória: o olho duro a magnetizar-me, os gestos ameaçadores, a voz rouca a mastigar uma interrogação incompreensível (Graciliano Ramos)

Partículas temporais

As partículas denotadoras de tempo mais importantes são as conjunções e locuções conjuntivas, que exprimem:

•tempo anterior: antes que;
•tempo posterior: depois que, assim que;
•tempo imediatamente posterior: logo que, mal, apenas;
•tempo simultâneo ou concomitante: quando, enquanto;
•tempo inicial (tempo a partir do qual se inicia a ação): desde que, desde quando;
•tempo em que termina a ação iniciada no passado e prolongada até o momento em que se fala: agora que, hoje que, a última vez que;
•ações reiteradas ou habituais: cada vez que; toda vez que, sempre que.

A algumas dessas locuções conjuntivas agregam-se com freqüência partículas ou advérbios de valor intensivo: pouco antes que, muito antes que, imediatamente depois que etc.

O pronome relativo entra em vários conglomerados de sentido temporal: depois do que, durante o tempo em que, até o dia (hora, momento) em que, no instante em que etc.

Vocabulário da área semântica de tempo.

Simultaneidade: durante, enquanto, ao mesmo tempo, simultaneamente, coincidentemente, ao passo que, à medida que…
Antecipação: antes, primeiro, antecipadamente, véspera…
Posteridade: depois, posteriormente, a seguir, em seguida, sucessivamente, por fim, mais tarde…
Intervalo: meio tempo, ínterim…
Tempo presente: atualmente, agora, já neste instante, o dia de hoje, modernamente…
Tempo futuro: amanhã, futuramente, em breve, dentro em pouco, proximamente, iminente, prestes ª..
Tempo passado: tempos idos, outros tempos, outrora, antigamente…
Freqüência: constantemente, habitualmente, costumeiramente, usualmente, corrinqueiramente, repetidamente, tradicionalmente, amiúda, com freqüência, muitas vezes…
Infreqüência: raras vezes, raramente, raro, poucas vezes, nem sempre, ocasionalmente, esporadicamente, de quando em quando, de vez em quando, de tempos em tempos…
A sucessão temporal para o encadeamento das ações, conferindo um caráter dinâmico à narração.

Espaço

Sejam as seguintes expressões: num certo lugar, distante daquele local, numa casa (rua ou país), temos determinados do espaço e, para caracteriza-lo, são empregados recursos descritivos que recuperam a percepção objetiva (dos cinco sentidos) e as impressões subjetivas (psicológicas).

Se a cobertura descritiva desvela integralmente o objeto, pessoa, cena ou paisagem, temos a fidelidade fotográfica que permite ao leitor “visualizar” o espaço descritivo. Quando a descrição apenas sugere traços (objetivos e subjetivos) dos elementos, o leitor é instigado a completar a imagem com a criatividade e a fecundidade de sua imaginação.

Cenário funcional e decorativo

O canário no qual as personagens se movimentam e integram pode ser decorativo ou funcional. Quando decorativo, o espaço é lugar de referência, apenas situando onde acontece o fato, fazendo sobressair quem dele participa.

As pausas descritivas podem precisar ou reter o curso narrativo, promovendo o afrouxamento da narrativa ou irrompendo a força imaginativa do leitor.

Enquanto o cenário funcionar detalha para a ação, o decorativo detalha para a inércia contemplativa. Se o aparato descritivo for subtraído de um texto, pode reduzi-lo a um relato sem fecundidade, sem virtuosismo.

Na estética do Romantismo, a especialidade é explorada em detalhes, correspondendo ao gosto da época em que floresceu sua literatura. Quando o cenário é a natureza, o descritivismo reflete os estados interiores do “eu”. A descrição romântica é, sobretudo, um recurso decorativo.

Já o espaço funcional é determinante da história, antecipando a ação ou enquadrando o lugar em que se desenrolará um episódio um episódio. No Realismo, o cenário físico age as personagens, conforme os ideários que orientavam as produções literárias da época. Assim, textos de Machado de Assis, Euclides da Cunha, Aluísio Azevedo ou Eça de Queiroz inserem seus personagens num espaço fundamental.

No Realismo, o meio (definido descritivamente) interfere no comportamento psicológico e social das personagens, confirmado a teoria determinista de que o homem é produto do meio.

A descrição, quando funcional, como no Realismo, é sempre uma relação decifradora de traços e acontecimentos entre o homem e o mundo exterior.

Na descrição realista, o empenho documental recria a realidade. Nenhum detalhe é desprovido de interesse, ganhando destaque através das impressões sensoriais.

Assim, pode-se aprender o mundo com olhos realistas ou com pulsações românticas, caracterizando lugares, personagens, o espaço e a ação.
Compare agora as descrições de ambiente romântico e realista, respectivamente:

Havia à Rua do Hospício, próximo ao campo, uma casa que desapareceu com as últimas reconstruções.
Tinha três janelas de peitoril na frente; duas pertenciam à sala de visitas; a outra a um gabinete contíguo.
O aspecto da casa revelava, bem como seu interior, a pobreza da habitação.
A mobília da sala consistia em sofá, seis cadeiras e dois consolos de jacarandá, que já não conservavam o menor vestígio de verniz. O papel da parede de branco passara a amarela e percebia-se que em alguns pontos já havia sofrido hábeis remendos.
O gabinete oferecia a mesma aparência. O papel que fora primitivamente azul tomara a cor de folha seca.
Havia no aposento uma cômoda de cedro que também servia de toucador, um armário de vinhático, uma mesa de escrever, e finalmente a marquesa, de ferro, com o lavatório, e vestida de mosquiteiro verde.
Tudo isto, se tinha o mesmo ar de velhice dos móveis da sala, era como aqueles cuidadosamente limpo e espanejado, respirando o mais escrupuloso asseio. Não se via uma teia de aranha na parede, nem sinal de poeira nos trastes. O soalho mostrava aqui e ali fendas na madeira; mas uma nódoa sequer não manchava as tábuas areadas.” (José de Alencar)

Era a sala geral do estudo, á beira do pátio central, uma peça incomensurável, muito mais extensa do que larga. De uma das extremidades, quem não tivesse extraordinária vista custaria a reconhecer outra pessoa na extremidade exposta. A um lado, encarreiravam-se quatro ordens de carteiras de pau envernizado e os bancos. À parede, em frente, perfilavam-se grandes armários de portas numeradas, correspondentes a compartimentos fundos; depósito de livros.Livros é o que menos se guardava em muitos compartimentos. O dono pregava um cadeado à portinha e formava um interior à vontade. Uns, os futuros sportmen, criavam ratinhos cuidadosamente desdentados a tesoura, que se atrelavam a pequenos carros de papelão; outros, os políticos futuros, criavam camaleões e lagartixas, declarando- se-lhes precoce a propensão pelo viver de rastos e pela cambiante das peles; outros, entomologistas, enchiam de casulos dormentes a estante e vinham espiar a eflorescência das borboletas; os colecionadores, Ladislaus Netos um dia, fingiam museus minerológicos, museus botânicos, onde abundavam as delicadas rendas secas de filamentos das folhas descarnadas; outros davam-se à zoologia e tinham caveiras de passarinhos, ovos vazados, cobras em canhaça. Um destes últimos sofreu uma decepção. Guardava preciosamente o crânio de não sei que fenomenal quadrúpede encontrado em escravações de uma horta, quando verificou-se que era uma carcaça de galinha! (Raul Pompéia)

Espaço físico e social

Pode-se também descriminar os espaços físico e social. No físico os domínios da natureza. Lembramos na literatura romântica os espaços nostálgicos, sacralizados ou devoradores: a primavera eterna, as torrentes avassaladoras, os penhascos sombrios, as matas virgens, os sertões ernos. No social, estão os limites culturais, como nos romances urbanos: as sociedades dos salões, dos saraus, dos teatros, além de cortiços, vendas, feiras, ambientes espúrios, enfim a pobreza citadina.

Observe no fragmento romântico abaixo, o arrebatamento descritivo de um espaço físico – um cenário da natureza:

Enquanto uma canoa deslizava misteriosamente, levando Ceci e Peri, o castelo senhorial de D. Antônio de Maria esturgia nos ares, destruído pelo paiol de pólvora incendiado. Da nobre e opulenta mansão restava apenas um noturno e uma tristíssima lenbrança. Sobreviviam somente Cecília, o índio e D. Diego. A água do rio subiu espantosa e repentinamente. Os dois, Ceci e Peri, acolheram-se ao topo de uma palmeira. E a inundação aumenta numa catástrofe assustadora. O índio arranca a palmeira da terra.
E a palmeira, arrastada pela corrente impetuosa do Paraíba, seguia o destino das águas. Seguia rapidamente…até sumir-se no horizonte.
(José de Alencar)

Atente para a descrição de um espaço social em um canto atual:

O prédio, de ordinário, é velho, imundo, e em suas paredes sobram suores, tensões, histórias. À entrada ficam tipos magros que vagabundeiam, esbranquiçadas ou encardidos, mexendo a prosa macia que verifica pernas que passam, discute jogo e conta casos, com as falas coloridas de uma gíria própria, tão dissimulada quando a dos bicheiros, dos camelôs ou dos turistas. A entrada é de um bar comum, comum. Como os outros. Mas este é um fecha-nunca, olho aceso dia e noite, noite e dia. Mantém pipoqueiro, engraxataria, banca de jornais. E movimento. Adiante é que estão o balcão das bebidas, o salão do barbeiro, a manicure, talvez até a prateleira de frutas. Depois, as cortinas verdes, , em todo o rigor do estilo, ou, mais simplesmente, a porta de vaivém. E, a um passo, se cai na boca do inferno, chamada salão, campo, casa, bigorna, gramado. O nome mais usual e descolorido é salão de bilhar. É lá que se ouve, logo à entradinha, uma fala macia enfeitada de um gesto de mão, um chamamento e uma ginga de corpo, como uma suave, matreira e desbochada declaração de guerra:
_ Olá, meu parceirinho! Está a jogo ou a passeio?
(João Antônio)

Foco narrativo

Contar (ato de narrar) ou como contar ( o estilo pessoal) implica uma determinada posição do narrador com relação ao acontecimento. Assim, o narrador pode assumir três pontos de vista na narrativa:

Narrador participante

O narrador participante é uma das personagens, principal ou secundária,. De sua história. Ele está “dentro” e “vê” os acontecimentos de dentro para fora. Nesse caso, a narrativa, elaborada em 1ª pessoa (eu – nós), tende a ser autobiográfica, memorialista ou confessional.
Lembre-se: não se confunde autor com narrador. O autor tem existência real, é uma pessoa que existe fisicamente. O narrador é uma personagem criada pelo autor para contar a história.

Coloquei-me acima de minha classe, creio que me elevei
bastante. Como lhes disse, fui guia de cego, vendedor de doces
e trabalhador de aluguel. Estou convencido de quem nenhum
desses ofícios me daria os recursos intelectuais necessários para
engenhar esta narrativa. (Graciliano Ramos)

Narrador observador

O narrador observador simplesmente relata os fatos, registrando as ações e as falas das personagens; ele conta como mero espectador, uma história vivida por terceiros. É a narrativa escrita em 3ª pessoa (ele, ela, eles, elas).

Os campos, segundo o costume, acabava de descer do almoço e, a pena atrás da orelha, p lenço por dentro do colarinho, dispunha-se a prosseguir o trabalho interrompido poucos antes. Entrou no escritório e foi sentar-se à secretária>”
(Aluísio Azevedo)

Narrador onisciente

O narrador onisciente ou onipresente é uma espécie de testemunha invisível de tudo quanto ocorre, em todos os lugares e em todos os momentos; ele não só se preocupa em dizer o que as personagens fazem ou falam, mas também traduz o que pensam e sentem. Portanto, ele tenta passar para o leitor as emoções, os pensamentos e os sentimentos das personagens.

Um segundo depois, muito suave ainda, o pensamento ficou levemente mais intenso, quase tentador: não dê, elas são suas.
Laura espantou-se um pouco: por que as coisas nunca eram dela?”
(Clarice Lispector)

Discurso narrativo

Na comparação de um texto narrativo, o narrador pode reproduzir a fala da personagem, empregando as seguintes possibilidades direto, discurso indireto, discurso indireto livre.
No discurso direto, o narrador reproduz na íntegra a fala das personagens ou interlocutores. Geralmente, essa fala é introduzida por travessão.
– Mete a mão no bolso. Não te falta nada? – perguntou Honório.
– Falta-me a carteira. Sabes se alguém a achou? – indagou Gustavo
– Achei-a eu – respondeu Honório. (Machado de Assis)

Discurso direto

No discurso direto, indica-se o interlocutor e caracteriza-se=lhe a fala por meio de verbos dicendi: dizer, exclamar, suspirar, explicar, perguntar, responder, replicar etc;
Nem sempre o autor indica de quem são as falas, já que elas se esclarecem dentro do contexto. O exemplo ilustra essa possibilidade:

O Paranóico só fala no telefone tapando o bocal com um lenço. Para disfarçar a voz.
– Podem estar gravando.
– Mas você ligou para saber a hora certa!
– Nunca se sabe. (Luís Fernando Veríssimo)

O diálogo acelera a narrativa, levando o leitor a entrar em contato direto com as personagens. O narrador apenas dá indicações sobre quem fala. Além de imprimir mais dinamicidade e realismo à narração, o diálogo presentifica a história. Os traços lingüística do discurso revelam a identidade cultural e social da personagem e, ao mesmo tempo, oferecem elementos para sua caracterização psicológica.

Segundo Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova gramática do português contemporâneo), “no plano expressivo, a força da narração em discurso direto provém essencialmente de sua capacidade de atualizar o episódio, fazendo emergir da situação a personagem, tornando-a para o ouvinte, à maneira de uma cena teatral, em que o narrador desempenha a mera função de indicador das falas. Estas, na reprodução direta, ganham na naturalidade e vivacidade, enriquecidos por elementos lingüísticos tais como exclamações, interrogações, interjeições, vocativos e imperativos, que costumam impregnar de emotividade a expressão oral”.
Observe o efeito dos diálogos na pequena narração abaixo:

Namorados

O rapaz chegou-se para junto da moça e disse:
– Antônia, ainda não me acostumei com seu corpo, com a sua cara.
A moça olhou e esperou.
– Você não sabe quando a gente é criança e de repente vê
uma lagarta listada?
A moça se lembrava:
– A gente fica olhando…
A meninice brincou de novo nos olhos dela.
O rapaz prosseguiu com muita doçura:
– Antônia, você parece uma lagarta listada.
A moça arregalou os olhos, fez exclamações.
O rapaz concluiu:
– Antônia, você é engraçada! Você parece louca. (Manuel Bandeira)

Ao utilizar o discurso direto – diálogos (com ou sem travessão) entre as personagens -, pode-se, quando à pontuação, optar por um dos três estilos abaixo:

Estilo 1

– Que tal o carro? – perguntou João.
– Horroroso! – respondeu Antônio.

Estilo 2

João perguntou: “Que tal o carro?”
Antônio respondeu: “Horroroso!”

Estilo 3

– Estou vendo que você adorou o carro, disse infusivamente João
– Você está redondamente enganado, retrucou Antônio.

Observação: O estilo 3 só deve ser utilizado em caso de oração afirmativa.

Discurso indireto

No discurso indireto, o narrador exprime indiretamente a fala da personagem. O narrador funciona como testemunha auditiva e passa para o leitor o que ouviu da personagem. Nessa transcrição, o verbo aparece na 3ª pessoa, sendo imprescindível a p0resença de verbos dicendi (dizer, responder, retrucar, replicar, perguntar, pedir, exclamar, contestar, concordar, ordenar, gritar, indicar, declarar, afirmar, mandar etc), seguidos dos conectivos que (dicendi afirmativo) ou se (dicendi interrogativo) para introduzirem a fala da personagem na voz do narrador.

Observe nos exemplos abaixo os discursos indiretos grifados:

“Ele começou, então, a contar que tivera um sonho estranho”.
“Todos se calaram para ouvi-lo e ele, muito sério, perguntou qual era o assunto. Informado, prosseguiu dizendo que estava profundamente interessado em colaborar”.
“João perguntou se ele estava interessado nas aulas”.

Na narração, para reconstruir a fala da personagem, utiliza-se a estrutura de um discurso direto ou de um discurso indireto. O domínio dessas estruturas é importante tanto para se empregar corretamente os tipos de discurso na redação escolar, como para exercitar a transformação desses discursos exigida em alguns exames vestibulares.

Na passagem do discurso direto para o indireto, cabem as seguintes observações quanto à construção da frase:

Discurso direto

• Presente
A enfermeira afirmou:
-É uma menina

• Futuro do presente
Pedindo gritou:
– Não sairei do carro.

• Pretérito perfeito
– Já esperei demais, retrucou com indignação.

•Imperativo
Olhou-a e disse secamente:
– Deixe-me em paz.

• Primeira ou segunda pessoa
Maria disse:
– Não quero sair com Roberto

• Demonstrativo este ou esse
Retirou o livro da estante e acrescentou:
– Este é o melhor

· Vocativo
– Você quer café, João? Perguntou a prima

• Forma interrogativa ou imperativa
Abriu o estojo, contou os lápis e depois perguntou ansiosa:
– E o amarelo?

Discurso indireto

· Pretérito imperfeito
A enfermeira afirmou que era uma menina.

· Futuro do pretérito
Pedrinho gritou que não sairia do carro.

· Pretérito mais-que-perfeito
Retrucou com indignação que já esperara (ou tinha esperado) demais.

· Pretérito imperfeito do subjuntivo
Olhou-a e disse secamente que ela o deixasse em paz.

· Terceira pessoa
Maria disse que não queria sair com Roberto.

· Demonstrativo aquele
Retirou o livro da estante e acrescentou que aquele era o melhor.

· Objeto indireto na oração principal
A prima perguntou a João se ele queria café.

· Forma declarativa
Abriu o estojo, contou os lápis e depois perguntou ansiosa pele amarelo.

Discurso indireto livre

Resultante de mistura dos discursos direto e indireto, existe uma terceira modalidade de técnica narrativa, o chamado discurso indireto livre, processo de grande efeito estilístico. É uma espécie de monólogo interior das personagens, mas expresso pelo narrador. Este interrompe a narrativa para registrar e inserir reflexões ou pensamentos das personagens, com as quais passa a confundir-se.
As orações do discurso indireto livre são, em regra, independentes, sem verbos dicendi, sem pontuação que marque a passagem da fala do narrador para a fala do personagem, mas com transposições do tempo do verbo (pretérito imperfeito) e dos pronomes (3ª pessoa). O foco narrativo deve ser de 3ª pessoa. Esse discurso é muito empregado na narrativa moderna, pela fluência e ritmo que confere ao texto.

Deu um passo para a catingueira. Se ele gritasse “Desafasta”, que faria a polícia? Não se afastaria, ficaria colado ao pé de pau .
Uma lazeira, a gente podia xingar a mãe dele. Mas então…
Fabiano estirava o beiço e rosnava. Aquela coisa arriada e achacada metia as pessoas na cadeia, dava-lhes surra. Não entendia. Se fosse uma criatura de saúde e muque, estava certo.
Enfim, apanhar do governo não é desfeita, e Fabiano até sentia orgulho ao recordar-se da aventura. Mas aquilo…Soltou uns grunhidos. Por que motivo o governo aproveitava gente assim?
Só se ele tinha receio de empregar tipos direitos. Aquela cambada só servia para morder as pessoas inofensivas. Ele, Fabiano, seria tão ruim se andasse fardado? Iria pisar os pés dos trabalhadores e dar pancadas neles? Não iria.
(Graciliano Ramos)

Discurso do narrador

Há também o discurso em que o narrador registra a ação das personagens, além de comentar, analisar, inferir, interpretar e relacionar fatos da história. É o discurso do narrador.

De repente, Honório olhou para o chão e viu uma carteira.
Abaixar-se, apanha-la e guarda-la foi obra de alguns instantes.
Ninguém o viu, salvo um homem que estava à porta de uma loja…
(Machado de Assis)

Resumindo

Foco narrativo ou ponto de vista do narrador

• Narrador personagem ou participante: foco narrativo em 1ª pessoa.
• Narrador observador: foco narrativo em 3ª pessoa.
• Narrador onisciente: foco narrativo em 3ª pessoa.

Tipos de discurso

• direto (diálogo) : o narrador reproduz textualmente a fala da personagem.
• indireto: o narrador conta o que a personagem fala.
• indireto livre: a fala da personagem funde-se com a fala do narador.
• do narrador: o narrador conta a história e tece comentários sobre personagens e acontecimentos.

As variantes da narração

O romance, o como, a novela, o apólogo, a fábula e a crônica são modalidades narrativas consagradas pela literatura. Sobre a crônica, lembramos que, de sua gênese o jornalismo, com Machado de Assis e contemporaneamente em Rubem Braga, Fernando Sabino e outros, ela passou à complicação literária.
Temos ainda como narrativas as histórias em quadrinhos (com ou sem legendas), os poemas épicos, os poemas ou letras de música que falam de um acontecimento, as piadas (ilustradas, legendadas ou sem palavras) e ainda as notícias de jornal que contam um fato.

a) A piada

Durante um forte vendável, o policial vê uma velha senhora parada numa esquina, segurando seu chapéu com todas as forças, enquanto o vento levantava seu vestido e revelava toda a sua intimidade. Por isso, o policial foi até lá e fez o alerta:
– A senhora fica segurando o chapéu em vez de segurar o vestido… Agora todos ficam olhando tudo o que a senhora tem aí.
– Escute, rapaz. O que eles estão vendo tem 80 anos. Mas esse chapéu aqui é novinho em folha.

• • •

Aula de Português. A professora pergunta para Zequinha:
– “A mulher comprou”. Que tempo é esse?
– Passado, professora.
– Está certo. Agora mais uma pergunta para você tirar nota 10. Se eu digo: “Seu pai tem dinheiro”, que tempo é esse?
– A primeira semana do mês.

A piada também é uma forma de narração. Apóia-se numa seqüência de ações cujo desfecho é sempre cômico. É freqüente encontramos, nesse tipo de narrativa, personagens estereotipadas (o português simplório, o papagaio malicioso, a criança ingênua, a sogra implicante) e trocadilhos.

b) Notícia de jornal

Foi pescar e foi pescado

No último domingo, sob a acusação de ter tentado furtar dinheiro da Igreja Nossa Senhora do Brasil, no Jardim América, foi detido e encaminhado ao 15º Distrito o meliante Gorgônio Pancrácio Porciúncula, de 68 anos, que alegou estar fazendo uma oferenda àquela instituição pia. Segundo os fiéis, o sexagenário, aparentemente embriagado, tentava pescar o dízimo arrecadado durante a missa, usando um arame para retira-lo do cofre.

Observe que o texto modelo inicia-se com uma breve exposição do fato (a tentativa de roubo), seguido da conseqüência para o acusado (a detenção). Os aspectos descritivos compreendem as características pessoais do envolvido. A tática para consumar a ação (a pesca do dinheiro) conclui a notícia. Esses mesmos dados poderiam ser apresentados ao leitor em qualquer seqüência.

c) A História em quadrinhos

A imagem é recurso expressivo fundamental da história em quadrinhos. Utilizando as palavras ou prescindindo delas, encerra um gênero narrativo dos mais populares. Seja em revista ou tiras de jornal, produzir humor é sua finalidade. Na seqüência acima, a comicidade surge em apenas três quadros.

d) O Cartum

No único quadro, o Cartum resume um processo narrativo em que a seqüência temporal, antes (as pedras sendo oferecidas pelo mordomo ao menino) e depois (a quebra dos lustres), é captada em conjunto. A comicidade resulta do clima solene e dos requintes da modelagem do menino rico: a formalidade dos mordomos, as pedras na bandeja, o poste particular, a roupa sóbria do garoto e a mansão ao fundo caracterizam uma visão excêntrica da infância milionária.

e) O Poema

Poema tirado de uma notícia de jornal

João Gostoso era carregador de feira-livre e morava no morro da Babilônia, num barracão sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro.
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.
(Manuel Bandeira)

A versatilidade da narração, quando se expande para o verso, adquire foros de poesia. Nesse texto, a forma poética (a disposição vertical) ajusta-se a uma concisão narrativa que reduz ao mínimo a informação os elementos que a caracterizam:

• personagem – João Gostoso;
• tempo – Uma noite ele chegou (…) Depois atirou;
• ação – chegou, bebeu, cantou, dançou, se atirou e morreu;
• espaço – morro da Babilônia, barracão sem número, bar Vinte de Novembro, Lagoa Rodrigo de Freitas.

Assim, a referencialidade comum às notícias policiais é absorvida pelo poético, numa recriação do universo jornalístico pelo literário.
Como é comum às narrativas, o texto apresenta clímax (os três verbos da ação) e desfecho (o fim trágico que chega inesperadamente).
Nota-se que o apelido da personagem (João Gostoso) e a generalidade de seu endereço evidenciam o estereótipo do malandro pobre.

Acrobatismo

Parou o vento. Todas as árvores
quiseram ver o salto original.
Então
quedaram-se todas
com os seus anéis azuis de orvalho
e os seus colares de ouro teatral,
prestando muita atenção.

Foi como se um silêncio fofo de veludo
Começasse a passear seus pés de lã por tudo.
Nisto uma folha sai, muito viva, de uma rama,
e vai cair sem o menor rumor
sobre o tapete da grama.

É um louva-a-deus lépido e longo
que se jogou de um trapézio
como um pequeno palhaço verde
e lá se foi, a rodopiar
às cambalhotas
no ar.
(Cassiano Ricardo)

Quando a temporalidade, a caracterização e o lirismo se reúnem, mediados pela criação de um poeta, o resultado é um poema narrativo-descritivo. É o que faz Cassiano Ricardo, valendo-se de sinestesias e prosopopéias (“como se um silêncio fofo de veludo/Começasse a passear seus pés de lã por tudo”).
Ao narrar as seqüências do salto de um louva-a-deus e as características singelas desse flagrante, o poema aproxima o simples e o belo.

f) O Apólogo

Opostos

No meio de uma poesia, o ponto saltou na vírgula com intenção de namorar.
Foi coisa bem passageira, dessas que ninguém liga, mas entre o ponto e a vírgula de pano pra manga da briga.
A vírgula, toda prosa, pro papo continuar. O ponto queria descanso, ficar de papo pro ar.
A vírgula esticava uma frase, lero-lero, coisa e tal, lá vinha o ponto correndo e botava um ponto final.
Foi indo, a vírgula ficou nervosa. Falou do direito e do avesso, falou do fim pro começo, berrou e perdeu o senso.
O ponto? Nem ligava pra ausência de consenso. Ponto é silêncio no texto. Imagine se muda de jeito!
A vírgula, na mesma hora, resolveu ir embora numa frase de efeito.
O ponto ficou zangado, achou de botar defeito: – Podes ir, tagarela – falou com voz amarela – Como és chata, criatura! Nem escritor te atura!
A vírgula, atrevida, optou pela pirraça: toda hora requebra de graça em qualquer frase sentido. O ponto, quando ela passa, esquece de lado o passado, fica todo derretido.
O poeta investiga as razões da eterna briga: os opostos se atraem, querem sempre se juntar. Não há sem franqueza, nem feiúra sem beleza e a sorte depende do azar.
(Ciça Fitipaldi)

Trata-se de um apólogo, uma narrativa em que seres inanimados agem como personagens humanos. No caso, o ponto e a vírgula, entidades lingüísticas, assumem comportamento humano.
O apólogo ilustra uma lição de sabedoria cuja moral é sempre expressa no desfecho: “os opostos se atraem, querem sempre se juntar. Não há força sem fraqueza, nem feiúra sem beleza e a sorte depende do azar”.
O lirismo infantil, bem como as rimas internas (“A vírgula esticava uma frase, lero-lero, coisa e tal, lá vinha o ponto correndo e botava um ponto final”) configuram o texto como prosa poética..

g) A fábula

A barata e o rato

Era uma dessas baratinhas brancas e nojentas, acostumadas à só imundície e ao monturo, comendo calmamente sua refeição composta de um pedaço de batata podre e um pedaço de tomate podre (1). Chegou junto dela um Rato transmissor de peste bubônica e lhe disse: “Comadre, ontem tive uma aventura extraordinária. Estive num lugar realmente impressionante, como você, comadre, certo jamais encontrará em toda a sua vida”. Barata comendo”. O lugar era uma coisa que realmente me deixou de boca aberta” – prosseguiu o Rato – “tão espantoso e tão diferente é de tudo que tenho visto em minha vida rodeara” (2). Barata comendo. “Imagina você” – prosseguiu o Rato – “que descobri o lugar por acaso. Vou indo numa as cavidades subterrâneas por onde passeio sempre, entrando aqui e ali numa casa e noutra, quando, de repente, percebo uma galeria que não conheço. Meto-me nela, um pouco amedontrado por não saber onde vai dar e de repente saio numa cozinha inacreditável. O chão, limpo, que nem espelho! Os espelhos de um brilho de cegar! As panelas, polidas como você não pode imaginar! O fogão, que nem um brinco! As paredes, sem uma mancha! O teto, claro e branco como se tivesse sido acabado de pintar! Os armários, tão arrumados e cuidados que estavam até perfumados! Poeira em nenhuma parte, umidade inexistente, no chão nem um palito de fósforo…”
E foi aí que a barata não se conteve. Levou a mão à boca num espasmo e protestou: “Que mania” Que horror! Sempre vem contar essas histórias exatamente no momento em que está comendo!”
MORAL; PARA O VÍRUS A PENICILIANA É UMA DOENÇA.
SUBMORAL; A ECOLOGIA É MUITO RELATIVA.
(1) Causando inveja a muita gente.
(1) O rato rói. É sua sina. (Millôr Fernandes)

As fábulas são narrações de caráter alegórico, destinadas a ilustrar um preceito.
A simplicidade da linguagem incipiente (“que nem espelho”) articula o impressionável universo da fantasia alegorizado pela barata e pelo rato.
As nações de higiene que se intensificam ao longo da narrativa ganham expressividade descritiva (“numa cozinha inacreditável (…), no chão nem um palito de fósforo”), para então atingir o desfecho numa completa inversão de valores humanos que a moral endossa.
No texto de Millôr Fernandes, a definição de fábula é renovada, já que o texto, reunindo non-sense e criatividade, apresenta, além da tradicional “moral da história”, uma submoral, ambas plenas de humor e originalidade.

h) A Música

O Velho Francisco

Já gozei de boa vida
Tinha até meu bangalô
Cobertor, comida
Roupa lavada
Vida veio e me levou

Fui eu mesmo alforriado
Pela mão do Imperador
Tive terra, arado
Cavalo e brida
Vida veio e me levou

Hoje é dia de visita
Vem aí meu grande amor
Ela vem toda de brinco
Vem todo domingo
Tem cheiro de flor

Quem me vê, vê nem bagaço
Do que viu quem me enfrentou
Campeão do mundo
Em queda de braço
Vida veio e me levou

Li jornal, bula e prefácio
Que aprendi sem professor
Freqüentei palácio
Sem fazer feio
Vida veio me levou

Hoje é dia de visita
Vem aí meu grande amor
Ela vem toda de brinco
Vem todo domingo
Tem cheiro de flor

Eu gerei dezoito filhas
Me tornei navegador
Vice-rei das ilhas
Da Caraíba
Vida veio e me levou

Fechei negócio da China
Desbravei o interior
Possuí mina
De prata, jazida
Vida veio e me levou

Hoje é dia de visita
Vem aí meu grande amor
Hoje não deram almoço, né
Acho que o moço até
Nem me lavou

Acho que fui deputado
Acho que tudo acabou
Quase que
Já não me lembro de nada
Vida veio e me levou.
(Chico Buarque)

Numa ambivalência que oscila entre o humano e o geográfico, o título “O Velho Francisco” pode ser interpretado em sua dualidade: o idoso e o rio.
Nesse poema narrativo, manifesta-se em 1ª pessoa um idoso supostamente internado num asilo (“Hoje é dia de visita”) “Hoje não me deram almoço, né”) e a veneranda existência do Rio São Francisco (“Desbravei o interior/Possuí mina/De prata, jazida”).
Tanto o idoso como o rio têm na memória um passado. Nas lembranças fragmentadas do Velho Francisco, a decrepitude supera a lucidez (“Vice-rei das ilhas/Da Caraíba”; “Acho que fui deputado”; “Já não me lembro de nada”). Há ainda um processo antitético: por parte do idoso, temos a longevidade esgotada (“Vida veio e me levou”): por parte do rio, a resistência e sobrevivência ao longo do tempo. Assim, tanto a vida quanto o rio fluem irreversivelmente do passado para o presente; observe os verbos.
Cada estrofe do poema é um fragmento da memória do velho/rio, é o curso da memória que acompanha o curso do rio através do fluxo de consciência.
A personificação do rio (configuração como um homem idoso) confunde-se com as características do São Francisco, na qualidade de navegável (“Me tornei navegador”) e na extensão, atravessando três Estados (“Desbravei o interior”).
A linguagem do texto é reveladora da simplicidade do Velho Francisco (“Ela vem toda de brinco”); “Quem me vê, vê nem bagaço”). Em seu aspecto formal (uma seqüência de dez versos), o poema lembra a sinuosidade do rio.

O Descritivismo na narração

As passagens descritivas numa narração revestem com expressividade personagens, objetos e situações. Como uma pintura realçada por vários matizes, a narração ganha humor, lirismo ou dramaticidade no descritivismo oportuno e manejado com estilo. Note a intervenção descritiva na composição das personagens e situações do texto abaixo:

Vestiu uma camisa listrada e saiu por aí

Chegou em casa, na Rua das Marrecas, soltando marimbondos contra o carnaval. E enquanto tirava o colarinho de goma:
– País desgraçado! Tudo é feriado! Um funcionário de responsabilidade, com encargo de chefe de seção na pode trabalhar. Ninguém despacha coisa alguma. É só pulo de macaco e fantasia de baiana. Até o Desembargador Jupiaçu Feijó vai sair de Marquês de Pomba. É o fim do mundo, Dona Escolástica!
E colocando os colarinhos na cadeira:
– Não agüento mais. Vou para os capuchinhos fazer meu retiro espiritual.
Já falei co Dom Alvorado.
Dona Escolástica, avassaladora senhora de prendas domésticas, fina como um machucador de cozinha, bateu palmas. E nas palmas dos cem quilos de Dona Escolástica embarcou Torquato Saquarema para a paz dos capuchinhos. Na porta de casa, orgulhosa do marido, a terrível senhora deu a última mão de tinta no seu consentimento:
– Vai, Saquarema. Vai com Deus, meu filho.
Foi. Mas deu azar. O Bloco Vai Que Eu Fico Em Casa, da moça do estandarte ao último tamborim, entrou numa grade de não caber na delegacia, pelo que transbordou pelas páginas dos jornais. E lá veio, em quatro colunas, encadernado de baiana, o marido de Dona Escolástica. Na quarta-feira, ao deixar a prisão. Torquato Saquarema tomou uma providência enérgica. Pediu asilo na Embaixada do Peru.
(José Cândido de Carvalho)

Nessa narrativa, além dos recursos lingüísticos, as imagens descritivas revelam um humor diferenciado, com sabor tipicamente brasileiro. Observe o que resultaria do texto, caso fossem suprimidas as passagens caracterizadoras:

Vestiu uma camisa listrada e saiu por aí

Chegou em casa, na Rua das Marrecas. E enquanto tirava o colarinho:
– País! Tudo é feriado! Um funcionário com encargo de chefe de seção, não pode trabalhar. Ninguém despacha coisa alguma. Até o Desembargador Jupiaçu Feijó vai sair de Marquês de Pomba. E o fim do mundo, Dona Escolástica!
E colocando os colarinhos na cadeira:
– Não agüento mais. Vou para os capuchinhos fazer meu retiro. Já falei com Dom Alvorado.
Dona Escolástica bateu palmas. E nas palmas de Dona Escolástica embarcou Torquato Saquarema para a paz dos capuchinhos. Na porta de casa, a senhora deu a última mão de tinta no seu consentimento.
– Vai, Saquarema. Vai com Deus, meu filho.
Foi. Mas deu azar. O bloco Vai Que Eu Fico Em Casa, da moça do estandarte ao último tamborim, entrou numa grade, pelo que transbordou pelas páginas dos jornais. E lá veio o marido de Dona Escolástica. Na quarta-feira, ao deixar a prisão, Torquato Saquarema tomou uma providência. Pediu asilo na Embaixada do Peru.

Observe no trecho que segue, extraído do romance Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, a caracterização enumerativa, os núcleos mínimos significativos, a cronologia temporal demarcada através da seqüência de ações e a impressão emotiva que, reunidos num estilo compacto e sincopado, marcam a expressividade narrativa e a precisão descritiva do texto.

Notas

Soluços, lágrimas, casa armada, veludo preto nos portais, um homem que veio vestir o cadáver, outro que tomou a medida do caixão, caixão, essa, tocheiros, convites, convidados que entravam, lentamente, a passo surdo, e apertavam a mão à família, alguns tristes, todos sérios e calados, padre e sacristão, rezas, aspersões d’água benta, o fechar do caixão, a prego e martelo, seis pessoa que o tornam de essa, e o levantam, e o descem a custo pela escada, não obstante os gritos, soluções e novas lágrimas da família, e vão o coche fúnebre, e o colocam em cima, e traspassam e apertam as correias, o rodar do coche, o rodar dos carros, um a um … Isto que parece um simples inventário eram notas que eu havia tomado para um capítulo triste vulgar que não escrevo. (Machado de Assis)

Estilo

É o estilo que empresta ao texto singularidade lingüística, tornando-o diferenciado. Podemos falar em estilo de época (estilo romântico, realista, barroco), figuras de estilo (metáfora, metonímia, hipérbole) e estilo individual.
Cada época tem um estilo: conjunto de características específicas e semelhantes que se refletem na arte, na ciência, na religião, nos costumes em geral. A essa semelhança na maneira de conceber e expressar a realidade chamamos estilo da época.
Apesar de um mesmo estilo literário (Romântico, por exemplo) definir várias obras (romances, contos, poesias), o que as diferencia é o manejo das possibilidades lingüísticas, que tornam única a produção de cada autor.
O estilo individual traduz os movimentos do pensamentos e do sentimento, através de uma linguagem que faz emergir a individualidade daquele que escreve. O estilo revela a manipulação dos recursos de uma língua como um meio de expressão determinado pela sensibilidade e pela natureza do autor. Estilo é, pois, uma atitude do escritor diante das possibilidades que um código oferece, num processo de seleção vocabular e ordenação das palavras, chegando a arranjos próprios que resultam num modo de escrever, numa estética peculiar.
Paulo Mendes Campos, ao apresentar, sob a forma de crônica, as várias interpretações (versões) dadas a um mesmo fato, com humor e irreverência, mostra toda a versatilidade dos recursos da língua, levando o leitor a apreciar soluções estilísticas que traduzem diferentes processos mentais de elaboração do código:

Os diferentes estilos

Parodiando Raymond Quesneau, que toma um livro inteiro para descrever os modos possíveis um episódio corriqueiro, acontecido em um ônibus de Paris, narra-se aqui, em diversas modalidades de estilo, um fato comum da vida carioca, a saber: o corpo de um homem de quarenta anos presumíveis é encontrado de madrugada pelo vigia de uma construção, à margem da Lagoa Rodrigo de Freitas, não existindo sinais de morte violenta.

Estilo interjeitivo – Um cadáver! Encontrado em plena madrugada! Em pleno bairro de Ipanema! Um homem desconhecido! Coitado! Menos de quarenta anos! Um que morreu quando a cidade acordava! Que pena!

Estilo colorido – Na hora cor-de-rosa da aurora, à margem da cinzenta Lagoa Rodrigo de Freitas, um vigia de cor preta encontrou o cadáver de um homem branco, cabelos louros, olhos azuis, trajando calça amarela, casaco pardo, sapato marrom, gravata branca com bolinhas azuis. Para este o destino foi negro.

Estilo antimunicipalista – Quando mais um dia de sofrimento e desmandos nasceu para esta cidade tão mal governada, nas margens imundas, esburacadas e fétidas da Lagoa Rodrigo de Freitas, e em cujos arredores falta água há vários meses, sem falar nas freqüentes mortandades de peixes já famosas, o vigia de uma construção (já permitiram, por debaixo do pano, a ignominiosa elevação de gabarito em Ipanema) encontrou o cadáver de um desgraçado morador desta cidade sem policiamento. Como não podia deixar de ser, o corpo ficou ali entregue às marcas que pululam naquele perigoso foco de epidemias. Até quando?

Estilo então – Então o vigia de uma construção em Ipanema, não tendo sono, saiu então para passeio de madrugada. Encontrou então o cadáver de um homem. Resolveu então procurar um guarda. Então o guarda veio e tomou então as providências necessárias. Aí então eu resolvi te contar isto.

Estilo precionista – No crepúsculo matutino de hoje, quando fugia solitária e longínqua a Estrela-d’Alva, o atalaia de uma construção civil, que perambulava insone pela orla sinuosa e murmurante de uma lagoa serena, deparou com a atra lúrida visão de um ignoto e gélido ser humano, já eternamente sem o hausto que verifica.

Estilo Nélson Rodrigues – Usava gravata de bolinhas azuis e morreu!

Estilo sem jeito – Eu queria tanto ter o dom de palavra , o gênio de um Rui ou o estro de um Castro Alves, para descrever o que se passou na manhã de hoje. Mas não sei escrever, porque nem todas as pessoas que têm sentimento são capazes de expressar esse sentimento. Mas eu gostaria de deixar, ainda que sem brilho literário, tudo aquilo que senti. Não sei se cabe aqui a palavra sensibilidade. Talvez não caiba. Talvez seja uma tragédia. Não sei escrever mas o leitor poderá perfeitamente imaginar o que foi isso. Triste, muito triste. Ah, se eu soubesse escrever.

Estilo feminino – Imagine você, Tutsi, que ontem eu fui ao Sacha’s, legalíssimo, e dormi tarde. Com o Tony. Pois logo hoje, minha filha, que eu estava exausta e tinha hora marcada no cabeleireiro, e estava também querendo dar uma passada na costureira, acho mesmo que vou fazer aquele plissadinho, como o da Teresa, o Roberto resolveu me telefonar quando eu estava no melhor do sono. Mas o que era mesmo que eu queria te contar? Ah, menina, quando eu olhei da janela, vi uma coisa horrível, um homem morto lá na beira da lagoa. Estou tão nervosa! Logo eu que tenho horror de gente morta!

Estilo lúdico ou infantil – Na madrugada de hoje por cima, o corpo de um homem por baixo foi encontrado por cima pelo vigia de uma construção por baixo. A vítima por baixo não trazia identificação por cima. Tinha aparentemente por cima a idade de quarenta anos por baixo.

Estilo didático – Podemos encarar a morte do desconhecido encontrado morto à margem da Lagoa em três aspectos:a) policial;b) humano;c) teológico. Policial: o homem em sociedade; humano: o homem em si mesmo; teológico: o homem em Deus. Policia e homem: fenômeno; alma e Deus: epifenômeno. Muito simples, como os senhores vêem.
(Paulo Mendes Campos)

Narração e versão

Ao narrar, podemos contar o que presenciamos, o que outras pessoas nos contam ou que imaginamos. Presenciando fatos ou ouvindo-os de terceiros, acabamos por dar uma interpretação dos acontecimentos, pois imprimimos à história nossa versão sobre ela. Às vezes, é mais importante a versão do que propriamente o fato.
Na leitura do conto “Dom José não era”, de Murilo Rubião, aparecia as várias versões dadas a um mesmo fato.

Dom José não era

Uma explosão violenta sacudiu a cidade. Surgiram-se outras – menores e maiores. Desnorteado, o povo corria de um lado para outro. Alguém que se conversara calmo no meio de tanta desordem, gritou:
Não é o fim do mundo!
Eliminada a pior hipótese, surgiram novas conjeturas:
Para um bombardeio, falavam os aviões.
Exercícios de artilharia?
Muito provável, apoiaram alguns, apressados em explicar o mistério.
E os canhões? – indagaram os mais lúcidos.
Houve quem falasse de uma invasão misteriosa, para em seguida concordarem todos: D. José estava matando a esposa a dinamite.
Os populares hesitaram em aproximar-se do prédio. Após curto silêncio, vários estampidos foram ouvidos. Um vagabundo, que ainda não se emocionara com os acontecimentos, comentou:
Será que a dinamite foi insuficiente e ele recorreu ao revólver?
Tornaram-se pálidos os rostos e, ansiosos, aguardaram o final do drama.
– Tragédia?
Não. D.José estava experimentando fogos de artifício.
Ninguém quis confessar o desapontamento nem o gasto inútil de imaginação que, naquela meia hora de terror, fora exagerado nos espectadores.
Não a matou desta vez, mas ela não escapará de outra. Seu ódio por D. Sofia é incontrolável.
– D. José odiava alguém?
Calúnia! Amava a mulher, os pássaros e as árvores. Ela, sim; detestava-o, irritava-se com os animais.
Infelicidade conjugal?
Nunca! Os esposos combinavam admiravelmente bem.
Mas, entre os habitantes do lugar, não havia quem acreditasse nisso:
Ela finge amá-lo somente pelo seu dinheiro
Estúpidos! D. José era o homem mais podre da cidade tinha uma úlcera no estômago.
– À mais leve contestação, contrapunham-se novas acusações:
Falso! D. José perdera os filhos (cinco), vítimas da tuberculose. Agora recorda-se deles manipulando um aparelho que imitava o pranto infantil. E comovia muito mais que qualquer choro de criança.
– D. José falava sempre de um livro que estava escrevendo. Um livro sobre duendes.
Era um fabulista?
Não. Os duendes habitavam a sua própria casa, ao alcance de seus olhos.
Seria a mulher um deles?
– Um dia encontrara-no enforcado. Disseram imediatamente:
É só fingimento. O nó está pouco apertado.
Vejam que cara matreira! Está zombando de nós.
Infâmia! D. José suicidara-se mesmo.
Por quê?
Todo o mundo fingiu não saber.
– Aos que lhe tomaram a defesa, anos após a sua morte perguntavam:
Afinal, o que fazia esse D. José? Se não fumava, não bebia, não tinha amantes?
Amava o povo.
E o povo?
Observando-o com ferocidade.
– Mais tarde erigiram-lhe uma estátua. Com um dístico: “D. José, nobre espanhol e benfeitor da cidade”.
Derradeira mentira. D,. José era um pobre diabo e não possuía nenhum título de nobreza. Chamava-se Danilo José Rodrigues.
(Murilo Rubião)

A criatividade na narração

Não há ordem convencional que regule a articulação entre personagens, ação, tempo e espaço> O percurso narrativo pode desenvolver-se a partir de um diálogo, de uma descrição, de um acontecimento crucial ou marcante, uma digressão temporal, um perfil de personagem etc.
As técnicas narrativas variam de autor para autor. São as variantes de estilo que conferem à obra um traço especial na produção da trama ou enredo, onde se pode instaurar a realidade, imitar o real com arranjos ficcionais ou trazer ao leitor o universo imaginário que ao escritor é dado ultrapassar. Assim na narrativa, todos os procedimentos ganham dimensão estética e todos os acontecimentos, por mais fantásticos ou improváveis, ganham a receptividade do leitor, quando o contexto legitima se conteúdo.
Aprecie, ma seqüência, a variedade de procedimentos que o painel de textos selecionados oferece como amostra de narrações criativas.

As narrativas oswaldianas

Órfão

O céu jogava tinas de água sobre o noturno que me devolvia a São Paulo.
O comboio brecou lento para as ruas molhadas, furou a gare suntuosa e me jogou nos óculos mineiros de um grupo negro.
Sentaram-me num automóvel de pêsames.
Longo soluço empurrou o corredor conhecido contra o peito de tia Gabriela no ritmo de luto que vestia a casa. (Oswald De Andrade)

Essa narrativa é marcada por uma linguagem que ensina a morte, sem alusões diretas. O luto transfere-se da personagem para os objetos que a cercam. A cor preta é várias vezes sugerida (“noturno”, “grupo negro”, “automóvel de pêsames”, “ritmo de luto”), o que reforça a impressão pesada que envolve a morte e a orfandade.
Sob essa preferência sintagmática transparece a profundidade semântica: no 1º parágrafo, o impacto que o canário exerce sobre o órfão impressionável; no 2º parágrafo de morosidade que acompanha a chegada do comboio; no 3º parágrafo, a inércia da personagem que se deixa sentar por ação alheia; no último parágrafo, o lento e doloroso ritmo do luto que se instaura no ambiente doméstico. O título encaminha o significado da leitura, sem que haja no texto qualquer menção à orfandade.

Natal

Minha sogra ficou avó.
(Oswald de Andrade)

A história é contada numa única frase, de maneira telegráfica, sem qualquer índice temporal ou espacial. O signo sogra traz em seu significado projeções culturais que estigmatizaram esse grau de parentesco, investindo-o de conotações negativas – é uma mulher intrometida, possessiva, daí a expressão “casa da sogra”. O signo avó, entretanto, preenche um significado mais terno (geralmente é ela quem adula e mima os netos). Contraponham- se os conteúdos desses signos (avó e sogra), adicionam-se os desdobramentos subjacentes à história ( sua mulher engravidou, deu à e o narrador tornou-se pai e ter-se-á o poder de síntese do autor, cujo estilo fez dele figura de vanguarda do movimento modernista.
Há ainda a relação do título (“Natal”) com o texto: desprende-se que o nascimento da criança foi tão significativo quanto a data magna do Cristianismo.

Primeiro contato de Serafim e a malícia

A – e – i – o – u
Ba – Be – Bi – Bo – Bu
Ca – Ce – Ci – Co – Cu (Oswald de Andrade)

Repare como o autor, combinando vogais e consoantes, na seqüência em que se dá primeiro contato com a alfabetização, faz supor ap leitor que a personagem Serafim, soletrando as primeiras letras, deteve-se na palavra que se vulgarizou como impropério. É título que indica a leitura maliciosa, acentuando o caráter maroto que a personagem dá aos exercícios de aprendizagem.

A extrapolação do real

Tema para um tapete

O general tem só oitenta homens, e o inimigo, cinco mil. Na sua tenda, o general blasfema e chora. Então, escreve um problema inspirado que pombas mensageiras derramam sobre o acampamento inimigo… Duzentos infantes passam para o lado do general. Segue uma luta que o general ganha facilmente, e os dois regimentos inteiros passam para o seu lado. Três dias depois. O inimigo tem só oitenta homens e o general tem cinco mol. Então o general escreve outro proclama, e setenta e nove homens passam para o seu bando. Resta apenas um inimigo, acuado pelo exército do general que espera em silêncio. Transcorre a noite e o inimigo não passa para o lado do general. O general blasfema e chora na sua tenda. Ao amanhecer, o inimigo desembainha lentamente a espada e avança até a tenda do general. Entra e aponta para ele. O exército do general se dissolve. Sai o sol.
(Júlio Cortazar)

Trata-se de uma narrativa de enredo incomum que parte de uma situação comum – a guerra -, extrapolando o real e lançando o leitor no heterogêneo universo do ficcional e do improvável.
Protagonista e antagonista (general X inimigo) dispõem de armas diferentes: o primeiro usa a palavras (“proclama inspirado”) e outro, a espada, a força bruta que, por fim, sai vitoriosa.
Como se mesclasse a parábola e a alegoria, o texto configura as relações de conquista e poder, através da imagem hiperbólica extraída das estratégias bélicas.

O fantástico

O homem que entrou no cano

Abriu a torneira e entrou pelo cano. Depois se acostumou. E, com a água, foi seguindo. Andou quilômetros. Aqui e ali ouvia barulhos familiares. Vez ou outra, um desvio, era uma secção que terminava em torneira.
Vários dias foi rolando, até que tudo se tornou monótono. O cano por dentro não era interessante.
No primeiro desvio, entrou. Vozes de mulher. Uma criança brincava.Ficou na torneira, à espera que abrissem. Então percebeu que as engrenagens giravam e caiu numa pia. À sua volta era um branco intenso, uma água límpida.
E a cara da menina aparecia redonda e grande, olha-lo interessada. Ela gritou:
“Mamãe, tem um homem dentro da pia”.
Não obteve resposta. Esperou, tudo quieto. A menina se cansou, abriu o tampão e ele desceu pelo esgoto.
(Ignácio de Loyola Brandão)

O inovador nessa narrativa é seu teor fantástico, resultante de um acontecimento irreal num cenário real. A linguagem é segmentada em períodos curtos, marcando o percurso monótono que leva a personagem a uma pia e daí – por uma omissão de resposta – ao esgoto.
O desfecho pressupõe, aos olhos do leitor, conseqüências nefastas que justificam a ambivalência do título: entrar pelo cano no enredo fantástico da narrativas ou, segundo o clichê popular, dar-se mal numa empreitada.

Um tipo

As Marias

Maria, filha de Maria, a filha, tem trinta e um desgostos. Lava a roupa. Lava a louça, varre que varre, e patroa – Jesus Maria José – a patroa ralhando.
Aos sete anos, foi esquina. Mulher cheia de filhos, não podia com mais um: deu a pobre da Maria.
Sempre em casa estranha, dormindo em cama-de-vento, comendo em pé ao lado do fogão. Trabalhadeira, era de confiança e não tinha boca para pedir Pálida, vivia debaixo de chá de ervas. Sonhando, rilhava os dentes, com as bichas alvoroçadas. Maria, aí dela, nunca soube qual de uma pêra-d’água!
O guarda-comida trancado a chave, ela roía com fome um naco de rapadura, escondida sob o travesseiro.
Lenço amarrado na bochecha, usava cera milagrosa para dor de dente – até que perdia o dente. Vagarosa por culpa de unha encravada. De lidar na potassa, partiam-se os dedos e sofria de panarício. Nunca se despedia, era despachada pela patroa, aborrecida de suas aflições e sua cara de pamonha.
Ao rolar de uma para outra casa, engordava com os anos, gemia de dor nas cadeiras e enleava-se no serviço. Sua alegria era lavar o cueiro do bebê Ah, mas beijar a criancinha…
– Está proibida, ouviu, Maria?
Criada não conhece o seu lugar, podia ter alguma doença.
Menina séria, não ia ao baile com as outras. No carão anêmico esfregava papel de seda escarlate molhado na língua e, mal surgia à janela, a espiar um soldadinho verde, a patroa ralhava.
– Maria, já escolheu o arroz?
– Maria, já passou a roupa?
– Já encerrou a casa, ó Maria?
Areada a chapa do fogão, guardava a louça, varrida a cozinha, chegava-se medrosa à porta. O soldado rondava, parava, batia continência. Tinha pressa como soldado era de guerra: queria pegar na mão e cobrir de beijos.
– Deus me livre, podia ter alguma doença!
Maria faz o sinal-da-cruz: a boca só o marido é que iria beijar.
Onde estão os praças de cavalaria, o tinir da esporas na calçada? Trinta e um anos de Maria! Até proibida de passear com a Marta.
– Pois vá chorar no quarto – ordena-lhe a patroa – Não suporto cena de gentinha!
Essa Maria, um objeto de casa, o capacho da porta, a vassoura no prego.
Maria não vai ao cinco, o palhaço é tão gozado.
Maria não vai ao Passeio Público ver o macaquinho comer banana.
Maria não vai ao cineminha na sexta-feira assistir a Vida, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Maria, a filha de Maria, destraída no domingo com a Marta, viu seu coração rolar do peito e, prato lhe escapou dos dedos gordurosos (a patroa vai ralhar?). partir-se em sete pedaços de sangue pelo chão.
Era um cabo? Maria nunca soube de que ama. Falava lindo e tão difícil, puxando no xis – vixto, mocinha? – que ela, a saltirar ora numa perna ora noutra, esganada roia as unhas.
– Tem gente, cabo. Você me respeite, ô cabo!
Ele a levou ao circo e Maria entrou soberba como uma patroa entre a gentinha que fazia cena: no pescoço a velha pele de coelho mordendo a cauda. A charanga, o peludo de cara pintada, o cabo das grandes botas de general. Um palhaço xinga o outro de “Gigolô!” o circo vem debaixo de tanta gargalhada.
Maria sorri, o cabo lhe tira sangue do peito.
– Ocê me deixa louco, Maria.
Sob o espanto do barbeiro, anunciando “Óia a bala oi…”, ela beijou a mão do cabo.
Em nove meses Maria, filha de Maria, vai ser mãe de Maria.
(Dalton Trevisan)

A personagem Maria incorpora, na popularidade de seu nome e na ausência das domésticas errantes, doentes, esfaimadas, sonhadoras. Maria resume um tipo que reitera modelos previsíveis de comportamento; é o retrato das mazelas de uma doméstica.

Na linguagem cortante de Dalton Trevisan, pode-se divisar a crítica à subalternidade das domésticas, à sua condição subumana de vida e à opressão das patroas (“Essa Maria, um objeto de casa, capacho da porta, a vassoura no prego”). Na “mitologia” daltoniana, Maria é a donzela casadoura, é a personagem que se perde como a mãe e a avó, daí a insistente genealogia tipificadora “Maria, filha de Maria, a filha de Maria”.

A concisão e a repetição seqüenciada reproduzem a motoneta das ladainhas – uma analogia ao marasmo dos serviços caseiros (“Maria não vai ao circo”; “Maria n~]ao vai ao Passeio Público”, “Maria não vai ao cineminha”) e à beatitude das filhas de Maria.

A idealização de um soldado leva à aspiração matrimonial de uma donzela tardia (“Onde estão os praças de cavalaria, o tinir das esporas na calçada? Trinta e um anos de Maria!”). O assédio do “cabo” e a ingenuidade de Maria compõem o clímax da narrativa.

Na conclusão, o continuísmo da tragédia irônica: “Em nove meses, Maria, filha de Maria, vai ser mãe de Maria”.

O humor na linguagem

Um quarteirão de peruca para Clodovil Pereira

Entrou numa casa especializada e pediu uma peruca:
– Coisa moderna, de fazer vista.
O especialista, com jeito técnico, aconselhou:
– Para o cavalheiro, se permite a sugestão, o melhor é uma peça discreta, tipo Napoleão Bonaparte.
– O aprendiz de calvo, que era exagerado, repeliu o conselho. E enérgico:
– – Não serve! Quero peça ostentosa, de Cristóvão Colombo para cima. Negócio de devastar corações na primeira perucada.
– O especialista arrumou para Clodovil um quarteirão de peruca.
– Trabalho tão sortido de ondas que Pereira pensou em colocar, no alto da cabeça, um farol de aviso aos navegantes. E no espelho, de peruca em cima:
– – É uma peça! Mata a pau qualquer coração.
– E assim, cabeludão, modernão, transitou sua belezura para Alfenas, onde devia cativar os interesses de moça bem apanhada de cara e de dinheiro. Só em moeda corrente do pa´si sua beleza pulava na frente de dois bilhões. Estava tudo encaminhado por um primo dela, o encalacrado Barbirato Carvalhais., que participava dos entendimentos na força de dez por cento. E no balancinho do trem, que levava Pereira para sua mina de Alfenas, em presença do espelho do lavatório, Clodovil mais uma vez espalhou elogios em louvor das marolas da peruca:
– – É demais! Um cabelo assim nem vai caber em Alfenas. Vão pedir outra cidade de reforço.
– Chegou, ficou um par de dias na casa da prima de Barbirato, valsou com ela na sala de visitas, pisou luar em sua companhia, encaixou dois poréns no ouvido da menina e voltou, no trem das sete, para seu negócio de representante a domicílio no Laboratório Almeida Guedes. E já pensava, de dentes acesos, na alta corretagem que Barbirato ia abocanhar (“Mais de cem mil dinheiro contado! Ladrão!”), quando recebeu do dito Barbirato o seguinte telegrama: “Casamento foi pelo barranco. Prima apreciou educação, teu pé de valsa, mas achou cabelo demais. A prima é louca por careca.”
(José Cândido de Carvalho)

Narração bem-humorada cuja linguagem compõe o mundo mental do protagonista Clodovil Pereira, candidato a dar o famoso “golpe do baú”, frustração exatamente pelas “marolas da peruca” que tanto fez questão de comprar.
Observe a inventividade de José Cândido de Carvalho, compondo o inovador universo lingüístico da narrativa: “farol de aviso aos navegantes” ( = peruca), “pisou luar”, “encaixou dois poréns” “ dentes acesos”.
Sua linguagem incorpora o gosto brasileiro pelo aumentativo e pelo diminutivo (“cabeludão”, “modernão”, “balancinho”) com a mesma naturalidade com que dá novos contornos ao oportunismo da malandragem. O desfecho, momento fundamental, é tão inesperado quanto cômico.

O Cotidiano burlesco

Era covardia

Tem sogra at[e boazinha, que faz o chamado biombo conjugal, isto é, fica aparando os golpes da gente para que a filha não se chateie, não aparece pro jantar e a sogra, morando na afiliação da filha, inventa enredo para que ela não dê bronca, aventando hipóteses tais como plantão no escritório, pneu do carro furado de condução e outras desculpas próprias para amenizar a raiva da esposa que vê afrouxar o chamado laço conjugal.
Exemplo admirável de sogra camarada foi Tia Zulmira, quando vivia com sua filha única, a Prima Yayá, ora residente em São Paulo e agora mais solteira que o Belo Antônio, de Brancati. Uma vez Prima Yayá achou um lenço do marido sujo de batom e, quando ia dar a bronca regulamentar, Zulmira – com a dignidade que impõe seu porte altivo – explicou que o batom era dela, que pedira emprestado o lenço do genro, para tirar a pintura. A prima Yayá sabia que Tia Zulmira nunca usou batom, mas compreendeu depressa o sacrifício da velha, mentindo para evitar uma situação pior, e acomodou a coisa, tal como fez o Congresso, ao voltar o regime esse que andava aí.
Já Primo Altamirando, que ontem, na 43ª Vara de Família, conseguiu anular se décimo-primeiro casamento, nunca se deu bem com sogras, por motivos óbvios. Esta última, então – da qual vem de se livrar protegido pela justiça dos homens -, era de lascar. Até potassa a jararaca botou no açougueiro, pra ver se envenenava Marinho.
Ontem lá estivemos, frente ao juiz, servindo de testemunha no processo de anulação do casamento. Jandira, a que suou a camisa nº 11 no time de Primo Altamirando, estava triste, pois adorava o marido (consta que Mirinho tem truques pra mulher que até Deus duvida). Mas a sogra estava mais furiosa que a torcida do Madureira. E tudo porque a separação foi proposta justamente depois do dia em que ela saiu no tapa com o padeiro e Marinho assistiu a sogra apanhar uma surra bizantina, impávido e – por que não dizer – um tanto ou quanto eufórico.
Aliás, o juiz resolveu anular o casamento, por causa desse episódio, revoltado com o cinismo de nosso nefando parente:
– O senhor viu sua sogra levar uma sura do padeiro e não ajudou? – quis saber o magistrado.
– Não, excelência – respondeu Mirinho.
– E por que não ajudou? – estranhou o juiz.
– Porque não ficava bem, dois homens batendo numa velha só.
(Stanislaw Ponte Preta)

Stanislaw Ponte Preta é um mestre das narrativas bem-humoradas que reproduzem o burlesco familiar.
Nota-se que o texto é trabalhado em linguagem despojada, coloquial, com referências diretas ao cotidiano carioca e ao futebol, elementos freqüentes nas imagens do autor.
Partindo de uma apresentação estereotipada (“Tem até sogra boazinha”), o autor reforça uma imagem que o vulgo pejorativamente conserva, particularizando-a na sogra de Primo Altamirando, para, inesperadamente, desfechar a narrativa com picardia e graça.

Só diálogos

O clube dos Suicidas

A senhora – o que foi que tomou, mesmo? Comprimidos. Não sabe que comprimidos? Gardenal. Muitos? Cuidado, não pise no fio do microfone. Dez comprimidos. É o que foi que sentiu? Uma gostosa! Vejam só, uma tontura gostosa! Não é notável? Uma tontura gostosa. E foi por causa de quem? Olha o fio. Do marido. O marido bebia. Batia também? Batia. Voltava bêbado e batia. Quebrava toda a louça. Agora prometeu se regenerar. E ela não vai mais tomar Gardenal. Palmas. Olha o fio. Fica lá, à esquerda. Ali, junto com as outras. Depois recebe o brinde. Aproveito este breve intervalo para anunciar que a moça loira da semana passada – lembram, aquela que tomou pó de rato? Morreu ontem. A família veio aqui me avisar. Foi uma dura lição, infelizmente ela não poderá aproveitar. Outros o farão. E a senhora? Ah, não foi a senhora, foi a menina. Que idade tem ela? Dez. Tomou querosene? Por que a senhora bateu nela? A senhora não bate mais, ouviu? E tu não toma mais querosene, menina. A propósito, que tal o gosto? Ruim Não tomou com guaraná? Ontem esteve aqui uma que tomou com guaraná. Diz que melhorou o gosto. Não sei, nunca provei. De qualquer modo, bem-vinda ao nosso Clube. Fica ali, junto as outras. Cuidado com o fio. Olha um homem! Homem é raro aqui. O que foi que houve? A mulher lhe deixou? Miserável. Ah, não foi a mulher. Perdeu o emprego. Também não é isto. Fala mais alto! Está desenganado. É câncer? Não sabe o que é. Quem foi que desenganou? Os doutores às vezes se enganam. Fica ali à esquerda e aguarde o brinde. E esta moça? Fui Flit? Tu pensas que é barata, minha filha? Vai ali para a esquerda. Olha o fio, olha o fio. E esta senhora, tão velhinha – já me disseram que a senhora quis se enforcar. É verdade? Com o fio do ferro elétrico, quem diria! E dá? Dá? Mostra para nós como é que foi. Pode usar o fio do microfone.
(Moacir Scliar)

O autor subverte o discurso direto, já que somene o entrevisador se manifesta. O leitor supõe a existência dos interlocutores unicamene através da fala do narrador, que retoma, até com certa insistência, a provável resposta dos entrevistados: O marido bebia. Batia também? Batia. Voltava bêbado e bati.
Observe-se ainda que o autor interpõe, durante a narrativa, impressões que levam ao leitor elementos íntimos do cenário e da situação em que se encaixam as entrevistas: Cuidado, não pise no io do microfone. Olha o fio; Fica lá, à esquerda. Ali, junto com as outras.
Esse é um exemplo de narrativa montada com o uso exclusivo de diálogos. As frases curtas e coordenadas parecem reproduzir a perfomance de um apresentador de programas de auditório em que um assunto como o suicídio é exposto publicamente. O microfone evidencia o número grande de pessoas que participam do Clube, tomando conhecimento das experiência alheias.

Uma questão de semântica

Desliturgias

Entrei para o seminário com 12 anos, me ordenei padre com 24, anos 30 dei baixa. De modo que fui, boa parte da vida, um profissional de rituais de passagem, do batizado à extrema-unção. Então, não gostaria de falar do rituais mais clássicos.
Gostaria de falar de certas liturgias pessoais, únicas. De bobos momentos em que uma pequena, pobre coisa se deu, marcante para sempre.
Meu primeiro nome feio. Uma vez, no seminário, um colega quase foi expulso porque sugeriu, no piano, a possibilidade de um nome feio. No caso, muito feio mesmo. É que numa tarde de domingo de chuva ele tocou os primeiros acordes de um tango cuja letra, a certa altura, continha, segundo um dedo-duro presente, a palavra lupanar. Um nome muito feio mesmo. O padre-diretor ordenou uma pesquisa da letra do tango; o tal lupanar de fato pintava e o menino quase foi expulso. Eu, que estava perto, fui chamado para depor e tergiversei ao máximo. Eu já achava nome feio uma coisa muito bonita. Tudo por causa do meu primeiro nome feio. Ele se deu nos campos as minha infância, numa chacrinha perdida entre lavras e Bagé, em pleno pampa gaúcho. Na frente da casa, embaixo de um cinamomo, mateavam alguns tosquiadores de ovelha quando lá no alto da coxilha despontou um homem a cavalo. Um pontinho que veio crescendo, crescendo e chegou. Era um gauchito desempenado, barba meio crescida, dentes muito brancos. Eu nunca tinha visto o mar, mas me pareceu, menino, que aquele homem vinha do mar. Antes mesmo de apesar, deu um toque no aba-larga, riu largo e esporeou:
– Buenas tardes, fiadasputa.
Eu achei aquela saudação tão leal, tão limpa e tão terna, que nunca mais pude achar feio um nome feio. A não ser lupanar, cartório,inadimplência, essas coisas.
(Carlos Moraes)

O narrador vai buscar num episódio de infância as impressões ingênuas que, na idade adulta, o levariam a representar as convenções lingüísticas em suas raízes moralizantes.

A narrativa combina temporalidade (a retrospectiva da memória), descritivismo (a caracterização do pampa e do gauchito) e reflexão (os comentários subjetivos do narrador). Em suas reflexões quase confessionais o narrador declara-se, por força de uma formação seminarista, um “profissional de rituais de passagem”. Mas é nas “liturgias pessoais” que ele detém, cotejando lembranças de situações díspares (no seminário e nos campos). Sua visão analítica expande-se além da semântica para criticar convenções e moralismos.

Na simplicidade internacionalmente infantil de sua linguagem, percebe-se o espírito mordaz que extrai da aproximação dos dois episódios uma crítica aos desmandos da educação eclesiástica: a censura à palavra “lupanar” numa composição musical nega um fato lingüístico – a liberdade do falante em fazer uso do vernáculo.

Na trajetória de suas impressões, um “nome feio” como “fiasdaputa” é destituído de pejoratividade, pois surge com a espontaneidade da linguagem oral, num contexto que neutraliza seu caráter ofensivo. Para o narrador, “fiasdaputa” interpreta-se semanticamente como uma saudação “leal”, “cristã”, “limpa” e “eterna”, numa retomada dos conceitos valorativos da educação religiosa que recebeu. Já as palavras “lupanar”, “cartório”, “inadimplência”, que traduzem a institucionalização, as convenções e os códigos, são considerados impropérios devido aos significados que a sociedade lhes imprimiu.

As virtualidades da linguagem

Nós, os temulentos

Como que, casual, por ele perpassou um padre conhecido, que retirou do breviário os óculos, para a ele dizer: – Bêbado, outra vez… – em um pito de pastor a ovelha. – É? Eu também… – O Chico respondeu, com báquicos, o melhor soluço e sorriso.
E, como a vida é também alguma repetição, dali a pouco de novo o apostrofaram: – Bêbado outra vez? E: – Não senhor… – o Chico retrucou – …ainda é a mesma.
E, mais três passos, pernibambo, tapava o caminho a uma senhora, de paupérrimas feições, que em ira o mirou, com trinta espetos. – Feia! – O Chico disse; fora-se-lhe a galanteira. – E você, seu bêbado!? – megerizou a cuja. E, aí, o Chico: – Ah, mas…Eu?…Eu, amanhã, estou bem…
……………………………………………………………………………………………………………………………
E não menos deteve-o um polícia: – Você está bebaço borracho! – Estou não estou… – Então, ande reto nesta linha do chão. – Em qual das duas?
E foi de ziguezague, veio de ziguezague. Viram-no, à entrada de um edifício, todo curvabundo, tentabumdo. – Como é que o senhor quer abrir a porta com um charuto? – É…Então, acho que fumei a chave…
E, hora depois, peru-de-fim-de-ano, pairava ali, chave no ar, na mão, constando-se de tranqüilo terremoto: – Eu? Estou esperando a vez da minha casa passar, para poder abrir… Meteram-no a dentro. (Guimarães Rosa)

A situação humorística e a inventividade lingüística cruzan-se num efeito estático único, que só a linguagem de Guimarães Rosa alcança. A intercalação das ações com os diálogos resulta em grande expressividade: “Feia! – O Chico disse; fora-se-lhe a galanteria. E você, seu bêbado!? – megerizou a cuja”.

Os neologismos em Guimarães Rosa são marcas discursivas que põem em relevo as possibilidades da língua como um inventário aberto de produtividade: “permibanbo”, “megerizou a cuja”, “zaguezigue”, curvabundo”, “tentabundo”.

O senhor não repare. Demore, que eu conto. A vida da gente nunca tem termo real.
Eu estendi as mãos para tocar naquele corpo, e estremeci, retirando as mãos para trás, incendiável: abaixei meus olhos. E a Mulher estendeu a toalha, recobrindo as partes. Mas aqueles olhos eu beijei, e as faces, a boca. Adivinhava os cabelos. Cabelos que cortou com tesoura de prata… Cabelos que, no só ser, haviam de dar para baixo da cintura…E eu não sabia por que nome chamar; eu exclamei me doendo:
– Meu amor!…
Foi assim. Eu tinha me debruçado na janela, para poder não presenciar o mundo.
(Guimarães Rosa)

Nesse trecho de Grande Sertão: Veredas, temos um fragmento da capacidade criadora de Guimarães Rosa, voltada para as forças virtuais da linguagem, na qual se fundem a lírica e a narrativa.
Entre elipses, deslocamentos sináticos e inovações estilísticas, Guimarães Rosa reproduz a fala do sertanejo com grande expressão poética “Cabelos que, no só ser, haviam de dar para baixo da cintura…”).

A estática do vago

A vaguidão específica

As mulheres têm uma maneira de falar
que chamo de vago-específica.
Richard Gelman

– Maria, ponha isso lá fora em qualquer parte.
– Junto com as outras?
– Não ponha junto com as outras, não. Senão pode vir alguém e querer fazer qualquer coisa com elas. Ponha no lugar do outro dia.
– Sim senhora. Olha, o homem está aí.
– Aquele de quando choveu?
– Não, o que a senhora foi lá e falou com ele no domingo.
– Que é que você disse a ele?
– Eu disse pra ele continuar.
– Ele já começou?
– Acho que já. Eu disse que podia principiar por onde quisesse.
– É bom?
– Mais ou menos. O outro parece mais capaz.
– Você trouxe tudo pra cima?
– Não senhora, só trouxe as coisas. O resto não trouxe porque a senhora recomendou para deixar até a véspera.
– Mas traga, traga. Na ocasião, nós descemos tudo de novo. É melhor, se não atravanca a entrada e ele reclama como na outra noite.
– Está bem, vou ver como. (Millôr Fernandes)

Millôr Fernandes é exemplar quando se trata de produzir textos criativos, rompendo estruturas convencionais, inovando na linguagem e nas situações inusitadas.
O texto “A Vaguidão Específica” é uma seqüência de diálogos vagos para o leitor (“Não ponha junto com as outras não. Senão pode vir alguém”), pois não aparece determinada a situação em que eles ocorrem.
Percebe-se o espaço doméstico através da suposta relação entre patroa e empregada.
A linguagem coloquial apresenta traços da oralidade cotidiana fática e descuidada, na presença do anacoluto (“Aquele de quando choveu?”) e da sintaxe truncada pelo uso incorreto de pronomes e conectivos (“Ponha no lugar do outro dia”; “Não, o que a senhora foi lá e falou com ele no domingo”).
Não há precisão informativa no que se refere à seqüência de ações, à relação entre as personagens e aos objetos dos quais se fala (“Não ponha junto com as outras não. Senão pode vir alguém e querer fazer qualquer coisa com elas.”; “Olha, o homem está aí”).
Os diálogos e até mesmo as noções espaciais (“lá fora”, “pra cima”,”aí”,”a entrada”) caracterizam o texto como narrativo; entretanto, a estrutura cronológica – começo, meio e fim – é identificada; há também fragmentos temporais imprecisos: “do outro dia”, “no domingo”,”a véspera”,”na ocasião”,”na outra noite”. É um texto que poderíamos qualificar como “sem pé nem cabeça”.

O Latinorum no gymnasyum

Rosa, rosa, rosae

Rosa, Rosa, Rosae, na aula de latinorum do Prof. José Evangelistorum, só as moscas voorum, nimguém piorum. Rosae, Rosa, Rosam por qualquer coisorum o Prf. José Evangelista relampeorum, trovejorum. A todos castigabus, gritava Violeta, Violeta, Violetorum escrever mil vezes vezorum nunca mais hei de mascar chicles, chicletes, chicletorum na aula de latinorum. Paulo Paulis Paulu ficabus de joelho lá na frente frentorum e se outra vez eu te pegorum, dominus, domine, dimini, o Prof. José Evangelistorum a mesa, esmurrorum na aula, aula, aulae de latinorum, como Joe Louisorum, a mesa, mesae nocauterorum.
Calca, calça, calçae, quase pega fragorum, cruz crudibus na lapela, o Prof. José Evangelista 12 anos passorum na soli, solidão, solidorum do seminário. Nunca ridibus, sempre serius e de meia preta, o colarinho da camisa encardido encardidae, as pontas viradas, nos olhos duas olheiras cor de uma sexta-feira da Paixãozorum. Só de entrar na sala, lá vem El Tigre Tigrorum, todos tremorum, aos alunos fuzilorum com seu olhar de lobisomem lobisomorum e todos tremiam peronia século seculorum.
(Roberto Drummond)

Satirizando a austeridade das aulas de latim, a narrativa ridiculariza o clássico exemplo rosa, rosae, modelo segundo o qual todos os substantivos se flexionam na primeira declinação.
A sonora verbosidade do latim percorre todo o texto, onde o humor e a criatividade sobressaem ao fato narrado (os rigores do professor durante uma aula), que, em sua essência, é prosaico.
Adulterando as declinações, flexões e o caráter das palavras, o narrador descamba para o deboche ao reproduzir uma aula de latim em que o professor é reduzido à condição de caricatura, nos maneirismos (“por qualquer coisorum (…) relampeorum”, “a todos castigabus”, “nunca ridibus, sempre serius” etc) e no aspecto físico (“de meia preta, o colarinho da camisa encardido, encardidae, as pontas viradas, nos olhos duas olheiras cor de uma sexta-feira da Paixãozorum”).
A alusão à formação seminarista acentua o estereótipo do professor de latim (“12 anos passorum na soli, solidão, solidorum”) e, no trânsito irreverente das palavras, ele é ao mesmo tempo Evangelista e Evangelistorum.
A conclusão do texto remete aos textos medievais de cunho eclesiástico (“peronia século seculorum”), nos quais era recorrente a imagem da permanência divina ao longo dos séculos.
Assim, a narrativa recupera a temática arcaica de uma aula de latim no ginásio (realidade anterior à Reforma Capanema, década de 50), para inovar na recriação da linguagem e criticar a a aprendizagem falha decorrente da postura autoritária do “mestre”.

Transgredindo as regras do jogo narrativo

Snooker

Certa vez eu jogava uma partida de sinuca e só havia a bola sete na mesa. De modo que mastiguei-a lentamente saboreando-lhe os bocados com prazer. Refiro-me à refeição que havia pedido ao garçon. Dei-lhe duas tacadas na cara. Estou me referindo à bola. Em seguida saí montando nela e a égua de que estou falando agora, chegou calmamente à fazenda de minha mãe. Fui encontra-la morta na mesa, meu irmão comia-lhe uma perna com prazer e ofereceu-me um pedaço: “obrigado”, disse eu “já comi galinha no almoço”.
Logo em seguida chegou minha mulher e deu-me na cara. Um beijo, digo. Ao mesmo tempo eu dei-lhe um pontapé e a cachorrinha latindo. Então apertei-a contra mim e dei-lhe um beijo na boca. De minha mulher, digo. Dei-lhe um abraço. Fazia calor. Daí a pouco minha camisa estava inteiramente molhada. Refiro-me à que estava na corda secando quando começou a chover. Minha sogra apareceu para apanhar a camisa. Não tive outro remédio senão esmaga-la com o pé. Estou falando da barata que ia trepando na cadeira.
Malaquias, meu primo, vivia com uma velha de oitenta anos. A velha era sua avó, esclareço. Malaquias tinha dezoito filhos mas nunca se casou. Isto é, nunca se casou com uma mulher que durasse mais de um ano. Agora, sentado à nossa frente, Malaquias fura o coração com uma faca. Depois corta as pernas e o sangue vermelho do corpo enche a bacia.
Nos bons tempos passeávamos juntos. Eu tinha um carro. Malquias tinha uma namorada. Um dia rolou a ribanceira. Me refiro a Malaquias. Entrou pela pretoria a dentro arrebentando a porta e parou resgolegante junto do juiz pálido do susto. Me refiro ao carro. Depois então saiu da pretoria com a noiva já na direção. Me refiro ao caro. E a Malaquias. (Millôr Fernandes)

Uma sucessão de ações desconexas cruzam-se como num jogo de snooker: assim como a bola sete vai de encontro às demais, que se chocam entre si, num confuso vaivém, a narrativa de Millôr Fernandes reproduz, com episódio fragmentados e descontínuos (“
Dei-lhe duas tacadas na cara. Estou me referindo à bola”), a profusão de movimentos de uma mesa de bilhar. É um procedimento lúdico em que o narrador, como que incorporada à bola sete, elabora combinatórias inesperadas.

A ausência de enredo criativamente transgride as relações de causa e conseqüência, pois em lugar de uma inter-relação entre as personagens, temos episódios distintos, sem nexo causal, desencadeados como numa partida de sinuca.

A conclusão inexiste: não poderia haver desfecho, já que não há trama. O texto detém-se repentinamente, tal como as bolas se paralisam após os choques que se sucedem à primeira tacada.

Era uma vez…

Era uma vez um homem que estava pescando, Maria. Até que apanhou um peixinho! Mas o peixinho era tão pequenininho e inocente, e tinha um azulado tão indescritível nas escamas, que o homem ficou com pena. E retirou cuidadosamente o anzol e pincelou com iodo a garganta do coitadinho. Depois guardou-o no bolso traseiro das calças, para que o animalzinho sarasse no quente. E desde então ficaram inesperáveis. Aonde o homem ia, o peixinho o acompanhava, a trote, que nem um cachorrinho. Pelos elevadores. Pelos cafés. Como era tocante vê-los no “17”! – o homem, grave, de preto, uma das mãos segurando a xícara de fumegante, com a outra lendo o jornal, com a outra fumando, com a outra cuidando o peixinho, enquanto este, silencioso e levemente melancólico, tomava laranjada por um canudinho especial…
Ora, um dia o homem e o peixinho passeavam à margem do rio onde o segundo dos dois fora pescado. E eis que os olhos do primeiro se encheram de lágrimas. E disse o homem ao peixinho:
“Não, não assiste o direito de te guardar comigo. Por que roubar-te por mais tempo o carinho do teu pai, da tua mãe, dos teus irmãozinhos, da tua tia solteira? Não, não! Volta para o seio de tua família. E viva eu cá na terra sempre triste!…”
Dito isto, verteu copioso pranto e, desviando o rosto, atirou o peixinho n’água. E a água fez um redemoinho, que foi serenando, serenando…até que o peixinho morreu afogado…
(Mário Quintana)

Fórmula consagradas pelos contos da carochinha combinam-se com elementos do maravilhoso fantástico nessa narrativa de Mário Quintana, ultrapassando os limites do imaginário.
Das narrativas infantis Mário Quintana reproduz a nostálgica expressão “Era uma vez”, seguida do vocativo “Maria”, recuperando um procedimento das narrativas orais. Opondo-se essa simplicidade, o autor, no terceiro parágrafo, elabora com refinamento lingüístico a fala da personagem humana, lembrando a linguagem tradicional dos antigos contos de fadas de Perrault e dos irmãos Grimm: veja o 3ª parágrafo.
Outro contraste da narrativa é o cenário contemporâneo (elevadores, café) no qual o maravilhoso fantástico resulta do afastamento ou distorção da realidade: o peixinho acompanhando o homem como um cachorrinho, a imagem das várias mãos (para segurar uma xícara, um jornal, um cigarro e cuidar do peixinho), o animalzinho tomando laranjada de canudinho e a tristeza que o acomete à margem do rio.
O relacionamento de um homem com um peixe remonta ao conto do rodovalho encantado, de Perrault. Ao desfecho inesperado (o afogamento do peixinho) somam-se os traços fantásticos, a linguagem simples do narrador e as palavras arcaizantes da personagem, compondo uma narrativa moderna que subverte criativamente o texto inaugural de Perrault.

O solilóquio

O aventureiro Ulisses

Ainda tinha duzentos réis. E como eram sua única fortuna meteu a mão no bolso e segurou a moeda. Ficou com ela na mão fechada.
Neste instante estava na Avenida Celso Garcia. E sentia no peito todo o frio da manhã.
Duzentão. Quer dizer: dois sorvetes de casquinha. Pouco.
Ah! Muito sofre quem padece. Muito sofre quem padece? É uma canção de Sorocaba. Não. Não é. Então que é? Mui-to so-fre quem pa-de-ce. Alguém dizia isto sempre. Eltevina? Seu Cosme? Com certeza Etelvira, que vivia amando toda a gente. Até ele. Sujeitinha impossível. Só vendo o jeito de olhar dela.
Bobagens. O melhor é ir andando.
Foi.
Pé no chão é bom só na roça. Na cidade é uma porcaria. Toda a gente estranha. É verdade. Agora é que ele reparava direito: ninguém andava descalço.
Sentiu um mal-estar horrível. As mãos a gente ainda esconde nos bolsos. Mas os pés? Cousa horrorosa. Desafogou a cintura. Puxou as calças para baixo. Encolheu os artelhos. Deu dez passos assim. Pipocas. Não dava jeito mesmo.Pipocas. A gente da cidade que vá bugiar no inferno. Ajustou a cintura. Levantou as calças acima dos tornozelos. Acintosamente. E muito vermelho foi jogando os pés na calçada. Andando duro como se estivesse calçado.
(Antônio de Alcântara Machado)

Quando a personagem é emissora e receptora de sua própria mensagem, temos um solilóquio. A narrativa de Alcântara Machado é introduzida por uma exposição sobre a condição social e física da personagem (“Ainda tinha duzentos réis”. “E sentia no peito todo o frio da manhã”) e o local em que ela se encontra (“Neste instante estava na Avenida Celso Garcia”). O que evidencia a passagem imediata da exposição para o solilóquio é a linguagem popular e segmentada de Ulisses (“Duzentão. Quer dizer: dois sorvetes de casquinha. Pouco”). A totalidade do terceiro parágrafo e a única linha do parágrafo seguinte reproduzem a fala interior da personagem.

O narrador retoma seu foco a partir de um lacômico “Foi”. O último parágrafo é construído com discursos indiretos livres – a fala do narrador e da personagem aparecem fundidas sem o uso de verbos dicendi (disse, falou, respondeu etc): “Desafogou a cintura. Puxou as calças para baixo. Encolheu os artelhos. Deu dez passos assim. Pipocas. Não dava jeito mesmo. Pipocas. A gente da cidade que vá bugiar no inferno”).

A expressividade do texto está na variação de atitudes da personagem, inicialmente sofrida (“Ah! Muito sofre quem padece”), depois constrangida (“Sentiu um mal-estar horrível”) e, por fim, irreverente (“A gente da cidade que vá bugiar no inferno. Ajustou a cintura. Levantou as calças acima dos tornozelos. Acintosamente. E muito vermelho foi jogando os pés na calçada. Andando duro como se estivesse calçado”). Assim, o monólogo interior aponta as alterações de comportamento do aventureiro Ulisses.

Ação…sem verbos

Circuito fechado

Chinelos, vaso, descarga, Pia, sabonete. Água, Escova, creme dental, água, espuma, creme de barbear, pincel, espuma, gilete, água, cortina, sabonete, água fria, água quente, toalha. Creme para cabelo, pente. Cueca, camisa, abotoaduras, calça, meias, sapatos, gravata, paletó. Carteira, níqueis, jornais, documentos, caneta, chaves, relógio, maço de cigarros, caixa de fósforo. Jornal. Mesa, cadeiras, xícara e pires, prato, bule, talheres, guardanapo. Quadros. Pasta, carro. Cigarro, fósforo. Mesa e poltrona, cadeira, cinzeiro, papéis, telefone, agenda, copo com lápis, canetas, bloco de notas, espátula, pastas, caixas de entrada, de saída, vaso com plantas, quadros, papéis, cigarro, fósforo. Bandeja, xícara pequena.Cigarro e fósforo. Papéis, telefone, relatórios, cartas, notas, vales, cheques, memorandos, bilhetes, telefone, papéis, Relógio. Mesa, cavalete, cinzeiros, cadeiras, esboços de anúncios, fotos, cigarro, fósforo, bloco de papel, caneta, projetor de filmes, xícara, cartaz, lápis, cigarro, fósforo, quadro negro, giz, papel. Mictório, pia, água. Táxi. Mesa, toalha, cadeiras, copos, pratos, talheres, garrafa, guardanapo, xícara. Maço de cigarros, caixa de fósforos. Escova de dentes, pasta, água.
Mesa e poltrona, papéis, telefone, revista, copo de papel, cigarro, fósforo, telefone interno, externo, papéis, prova de anúncio, caneta e papel, relógio, papel, pasta, cigarro, fósforo, papel e caneta, telefone, caneta e papel, telefone, papéis, folheto, xícara, jornal, cigarro, fósforo, papel e caneta. Carro. Maço de cigarros, caixa de fósforos. Paletó, gravata, copo, revista. Quadros. Mesa, cadeiras, pratos, talheres, copos, guardanapos.. Xícaras. Cigarro e fósforo. Poltrona, livro. Cigarro e fósforo. Televisor, poltrona. Cigarro e fósforo. Abotoaduras, camisa, sapatos, meias, calça, cueca, pijama, chinelos, Vaso, descarga, pia, água, escova, creme dental, espuma, água. Chinelos. Coberta, cama, travesseiro.
(Ricardo Ramos)

Numa narrativa atípica, em que foram abolidos verbos, adjetivos e conjunções, o narrador relata o dia-a-dia de um executivo, sugerindo-lhe as ações dos substantivos que preenchem seu cotidiano.
O autor viabiliza a narrativa na sucessão de cenários e objetos afins, tornando sutil a passagem do ambiente doméstico para o escritório e vice-versa: num movimento circular, subentende-se a ida ao trabalho e o retorno a casa, sendo os objetos, e o espaço a que pertencem, os índices espaciais e temporais desse percurso.
Mesmo compondo um inventário de objetos, o texto perde seu caráter descritivo pela ausência de adjetivos que atribuíram características a cada substantivo. A estrutura narrativa é corrompida para apresentar, num único parágrafo, o automatismo do cotidiano de um publicitário. A segmentação de objetos é monótona, repetitiva e circular: começa quando o executivo desperta e termina quando ele se deita, após fechar um circuito diário de atividades lineares e invariáveis. Não há tensão, não há clímax.
Assim, dispensando os elementos essenciais da narração, o texto alcança máxima originalidade nos índices domésticos (creme de barbear, pincel, cueca, gravata, paletó) e profissionais (esboço de anúncios, fotos, projetor de filmes, prova de anúncio). Temos, paradoxalmente, uma narrativa que conta a rotina de um homem voltado para o universo da publicidade, de onde se deduz que, nas invariantes do cotidiano, inserem-se as variantes da criação.

O jogo entre pontuação e sonoridade

Zilzinho

Zero a zero que zebra o time já não tem gás o tempo é fugaz o juiz vai finalizar que azar Zinho não desistiu faz o sinal da cruz buscando luz e zarpa com rapidez bola no pé e que clareza desliza esvazia a defesa e que beleza um chute cruzado mas sem diretriz que infeliz por um triz é sem juízo esse Zinho só tem verniz vai passar pó-de-arroz vai ser atriz a galera ta que ta zangada exaltada enfezada e com razão quer dar vazão arma o banzé exige desempenho e desempate um golzinho só unzinho faz a fineza seu juiz de desonrar sua origem inglesa atrase o relógio mostre grandeza e lá vai o Zinho de novo sozinho solta essa bola rapaz não seja voraz mas que esperteza que braveza é esse rapaz é um faz-tudo.
Em zigue-zague
d
e
s
t
i
n
a
d
o
deixa a zaga zonza
pra traz ta na cozinha e zás-trás gol BRAZILZILZILZINHO!!!!
(Lia Zatz)

O texto reproduz a irradiação de uma partida de futebol: a ausência de pontuação dá o ritmo acelerado da locução de rádio.

A aliteração contínua forma rimas que produzem sonoridade e acrescentam poeticidade ao texto (“que clareza desliza esvazia a defesa e que beleza”). Um recurso concretiza acentua a estética inovadora e poética: a quebra da linearidade com palavra zigue-zague corta bruscamente a leitura, diminuindo-lhe o ritmo – (como faz um locutor nos lances que antecedem o gol) -, intensificando o som até culminar com a fusão gráfica e fonética Brasil/Zil/Zinho.

A disposição oblíqua da palavra desatinado forma a letra “z! (matriz das aliterações predominantes), que graficamente forma o zigue-zague do drible do jogador e impõe uma leitura lenta.

Assim, temos um flagrante narrativo em que um tema prosaico como uma partida de futebol torna-se criativamente poético.

A narração Escolar

A narração, no sentido escolar do termo, é um texto conciso e superficial, em que os fatos na podem ser aprofundados devido a exíguo espaço para consecução da história (em média 30 linhas). Por esse motivo, os índices temporais devem ser os imprescindíveis para mensurar cronologicamente a história; o espaço é apenas citado ( nos romances, a localização espacial é delimitada e caracterizada, às vezes, em muitas páginas); as personagens são apenas as essenciais ao desenrolar dos fatos; quanto ao enredo, as ações são geradas em função de um acontecimento (nas narrações extensas são vários os acontecimentos que engendram o enredo).
A narração é a modalidade, idade mais criativa e que mais possibilidades dá à imaginação para tecer infinitas combinações de estrutura e enredo. Entretanto, numa simplificação pedagógica, convencionou-se uma estrutura em que as personagens, o espaço e o tempo geralmente são mencionadas na exposição. A partir do desenvolvimento, o acontecimento instaurador da tensão ou conflito começa a se delinear ( um casamento, um crime, um encontro, uma surpresa etc), provocando suspense. A complicação decorrente atinge um ponto maior de tensão chamado clímax. O desfecho caracteriza-se pela solução do conflito ou pelo esclarecimento da trama ou ainda por apresentar uma situação de equilíbrio desejada.
Ao desenvolver um texto narrativo-descritivo, o aluno deve intercalar passagens de ação com flagrantes descritivos, de modo a delinear personagens e lugares com intenção funcional, já que na concisão da narrativa escolar devem figurar somente os dados relevantes ao enredo. Se o aluno preferir um texto essencialmente narrativo, pode prescindir do descritivismo, privilegiando apenas as ações em seu percurso temporal.
Assim, visando à narração para vestibular, personagens e ação são imprescindíveis. Além desses elementos, em sua redação não deve faltar emoção, suspense, surpresa e criatividade para torna-la cativante ao leitor. Leia cuidadosamente os textos transcritos na parte de “criatividade na narração” e observe como a linguagem é fundamental para definir o estilo, conferindo um toque de originalidade à história.

Receita de texto narrativo

• Com alguns traços marcantes e essenciais, procure caracterizar física e psicologicamente sua personagem. Torne sua idealização interessante para o leitor.
Ex: fisicamente: olhos castanhos.
Psicologicamente: incrédulo, ingênuo.
• Trabalhe sua linguagem de modo a combinar dados físicos e psicológicos, oferecendo uma visão totalizante da personagem.
Ex: Nos olhos castanhos de Miguel, havia um brilho incrédulo e ingênuo enquanto lia a carta de Joana.
• Lembre-se de que os períodos muito longos (num espaço aproximado de 30 linhas) tornam o texto “arrastado”; já os períodos curtos demais, se não forem bem construídos, podem tornar primária a redação. Prefira períodos curtos, sintetizando as ações.
Ex: Todos correram alvoroçados; ninguém se machucou. Primeiro o pânico, depois o riso.
• Procure criar uma situação inusitada que desencadeia uma complicação, pois é o inesperado que sustenta o gosto pela leitura.
• Você pode narrar com ou sem diálogos. Os discursos diretos, quanto à pontuação, devem ser padronizados. Observe que os diálogos são um recurso da literatura para cativar o leitor. Quando bem articulados, tornam mais fluente a narrativa.
Ex: – O que você esperava que eu fizesse? – gritou João.
– Esperava que reagisse, só isso!.
• Ao introduzir o ambiente na narração, não se detenha em detalhes supérfluos. Caracterize os espaços e objetos determinantes da ação.
Ex: Na sala, apenas o sofá vermelho que acalentava as noites insones de Luís.
•Procure estender ao desfecho a criatividade que você manteve ao longo do texto. O desfecho deve ser original, inesperado, surpreendente, para não transformar a narrativa num simples relato.
• Não se esqueça de que o enredo de sua narrativa, antes do desfecho, deve apresentar suspense e clímax.

Assim, esquematizando, temos:

Personagem(s)
definem-se características e pelas ações.

Enredo
ação, organização de fatos.

Tempo
cronológico (tempo real)
psicológico (tempo mental)

Espaço
lugar (definido pela descrição ou apenas citado)

Foco narrativo

de terceira pessoa – narrador onisciente (tudo sabe, conhece a interioridade das personagens)
narrador observador (tudo vê)
de primeira pessoa (de dentro da história) – narrador-personagem (conta o que vê como personagem)

Discurso
direto (fala da personagem)
indireto (o narrador (o narrador traduz a fala da personagem)
indireto livre (fusão da fala do autor e da personagem)

Uma narração escolar

Considerado que o aluno, na escola, é preparado para ter bom desempenho no vestibular, sua narração não deve ser longa como um conto, nem tão curta quanto uma piada; no entanto, deve ter o enredo cativante de um conto e a simplicidade de uma piada, sempre com a originalidade e a linguagem que devem caracterizar a mentalidade e a criatividade de um adolescente.
Observe como a proposta abaixo foi habilmente desenvolvida por uma aluna.

Proposta de redação

Elabore um texto narrativo imaginando os possíveis desfechos da situação apresentada no texto abaixo.
A narrativa apresenta um conteúdo inusitado e você não deve adapta-lo aos padrões da realidade; portanto, não conclua seu texto dizendo que tudo não passou de um sonho.
Não se esqueça de que você deve dar continuidade à história; por isso, narra em 3ª pessoa, contando as situações por que passou a personagem do texto.

O homem cuja orelha cresceu

Estava escrevendo, sentiu a orelha pesada. Pensou que fosse cansaço, eram 11 da noite,
estava fazendo hora extra. Escriturário de uma firma de tecidos, solteiro,35 anos, ganhava pouco, reforçava com extras. Mas o peso foi aumentando e ele percebeu que as orelhas cresciam. Apavorado, passou a mão. Deviam ter uns 10 centímetros. Eram moles, como de cachorro. Correu ao banheiro. As orelhas estavam na altura do ombro e continuavam crescendo. Procurou uma tesoura, ia cortar a orelha, não importava que doesse. Mas não encontrou, as gavetas das moças estavam fechadas. O armário do material também. O melhor era correr para a pensão, se fechar, antes que não pudesse mais andar na rua.
(Ignácio de Loyola Brandão)

Super-orelha, o herói tupiniquim

Fez peripécias incríveis para passar pela rua antes de chegar à pensão; vestiu uma capa de chuva e pôs o capuz em pleno calor de verão. Só falavam os óculos e o chapéu para se tornar uma criatura perfeita de um espião de filmes classe B. Um Bond tupiniquim. Entrou na pensão como um larápio, pé ante pé, sem chamar a atenção de uma mísera mosca. Chegou em casa e percebeu tristemente que as orelhas haviam crescido por demais. Sentiu-se o próprio Dumbo. Para esconde-las, enrolou-as no alto da cabeça, amarrou-as e pôs seu enorme chapéu Panamá, que usou no carnaval para sair de malandro. Do jeito que estavam, não haveriam de ficar! Saiu durante a noite para oxigenar seu cérebro. Viu tipos estranhos na cidade: bêbados, prostitutas, homossexuais, viciados. Todos tipos estranhos, e a sociedade aceitava-os como eles eram, por que não a ele e às suas enormes orelhas?
Tomou a decisão mais difícil de sua vida: revelaria ao mundo suas orelhas.
Tirou seu chapéu, soltou-as e pensou consigo como era bom ser livre de convenções, de dogmas, de tabus. Saiu contente pela cidade afora, balançando suas enormes orelhas. Chegou em casa e sentiu-se mais humano, afinal tinha-se aceitado como realmente era. Dormiu o sono dos deuses e dos anjos. Acordou no outro dia, como outro dia qualquer da semana, e foi ao seu trabalho.
Todos o olhavam, mas nada comentavam com ele, porém percebia os cochichos às suas costas. Foi despedido e descriminado por todos. Porém, ele agora era especial, ouvia a quinhentos metros de distância e voava, como um super-herói. Passou a trabalhar na polícia, como agente muito especial, que ouvia o que os criminosos planejavam e voava para contar à polícia. Quem disse que o Terceiro Mundo não pode ter super-heróis? Pode sim, e no Brasil ele agora é conhecido como Super-Orelha, o herói tupiniquim.
Luciana Andréa S. Simão 2º Colegial – Unidade Santo Amaro – SP

fonte: Prof. Elisabeth de M. Massaranduba/ Thaís Montenegro Chinellato

57 comentários em “Narração – Teoria e Exemplos

  1. Fiquei encantada com a qualidade e boa estruturação didática que possui o material. Sou professora e sei a importância de uma boa apresentação didática do assunto para a conquista do conhecimento.

  2. eu gostei tem tudo bem resumido, isso é muito bom para mim estudante!, mas podia ter mais exemplos e falar sobre mais outras coisa…..
    comentários são ótimos1, mostram que estão mesmo enteressados em saber a nossa opinião!
    bom mas valeu a pena.

  3. Tenho um capítulo do livro do qual foi utilizado para produzir este texto. Consegui através de uma aluna preguiçosa que infelizmente não me informou a bibliografia do livro ao qual este capítulo pertence. Tentei pesquisar a bibliografia do livro na internet colocando apenas o nome do capítulo (“Variantes da narração”), mas não consegui achá-lo. Estou
    enviando este não como comentário, mas como um pedido que se caso vocês puderem me informar a bibliografia deste livro e ficarei grato. Estou muito interessado em comprá-lo. Tenho certeza que o autor deste texto “Narração – Teoria e Exemplos”
    utilizou este livro cujo capítulo 12 é (“Variantes da narração”). Desde já agradeço.

  4. Adoreiiii!!!!!
    Parabéns a equipe!!
    Eu adorooo português!!
    E achei q tava tudo explicadinho!!!
    E me ajudou muito!!!
    Bjuhxx
    Brigado e Parabéns

  5. Obrigada tava meio confusa , tenho uma prova de introducao a teoria da literatura amanha, e tava quase dando como certo tirar um zero

  6. eu gostei deste site + ele e muito comprido e a letra tinha que ser maior e mais explecativas tinha que ter menos erro de portugues e3 muito mais ffffffffuuuuuuuuiiiiiiiii

  7. Bom dia, gostei muito do site, muito bem explicado,quem o criou está realmente de parabéns pois as respostas estão todas certas e de acordo com explicações que ja tive em sala de aula.
    Muito bem e continue assim! Beijos Helaine de Moraes

  8. Bom o site ate que ta legal ! mas não encontrei oque queria!!! queria exemplos de cartums ! e mas avida continua! que pena né!

  9. quero dizer que vou participar de um concurso onde o premio é uma cardeneta de poupança
    que percisa-se fazer uma narração e o tema é:

    Eu e o proxímo:respeito e solidariedade.
    preciso de ajuda!!!

  10. Queria saber se no tempo presente de uma narração posso narrar fato acontecido na semana passada, ontem e terminando com acontecimento de hoje?

  11. Achei tudo até detalhado demais.Tim, tim,por tim.
    A equipe deveria ter resumido mas!!!!!
    Mas mesmo assim foi tudo bem útil!!!!!!!!!!
    Obrigado!!!!!!!

  12. Puxa, queria encontrar uma tira específica do Niquel Náusea onde duas avós contando a historinha do lobo mau e os 3 porquinhos disputam a melhor estoria para o neto. Mas a pergunta é: Qual o tipo de narrador numa tirinha? personagem ou observador? Neste caso, os personagens são as avós e os garotos ou as avós e o neto? No 1º quadro aparece o lobo mau e os “15” porquinhos. No 2º aparecem o neto e as duas vovozinhas contando vangatem na fábula, dizenso que na estoria da outra os porquinhos eram 18…. e o menino “elas estão disputando”

  13. oi…gente preciso fazer uma narração falando sobre o dia-a-dia das pessoas….
    preciso mto q vcs me ajudem..´mas eu gostei mto desse texto..
    se alguem souber sobre narracao manda o msn..pliz!
    bjoo..adorei!

  14. óótimoo
    mto bom
    esse texto
    q criatividade espetacular…
    nossa…me ajudou um pouco!
    bjoo..continuem assim..
    ah!como eu faço p participar do site mandando meus textos?aguardo retorno!

  15. Olá!
    Gostei muito de conhecer seu blog.
    Estava pesquisando sobre alguns tipos de texto e então encontrei essa maravilha que muito me ajudou.

    Um grande abraço e obrigada pela partilha.
    Profª Lu Bernardo

  16. Parabéns pela seriedade com que trabalhou este tema. Muitos blogs falam de temas, principalmente relacionados a português,redação e literatura, de forma muito superficial e ineficiente.Mas, o sua forma de expor, utizando embasamentos teóricos, exemplos explicados, foram de grnade relevância!

    Obrigada!

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